1.2.03

E eu acabo de saber na Globo.com que a Columbia explodiu com sete pessoas a bordo. Challenger 2.

Ouvi essa semana na tevê que a dívida pública brasileira atingiu US$ 881 bilhões! Isso me fez lembrar uma exegese feita por mim sobre o Ano do Jubileu (Levítico 25). Lembrou-me também um excelente livro que possuo sobre o assunto “Tempos de Graça: O jubileu e as tradições jubilares na Bíblia”, de Haroldo Reimer e Ivoni Richter Reimer (CEBI, Paulus e Sinodal). O livro é de 99, o que significa que os dados estão defasados:
“Você sabia que:
· A dívida que o Brasil tem com os bancos e outros agentes financeiros internacionais (dívida externa) fez com que, em 1997, o país pagasse 16 bilhões de dólares somente em juros. Este pagamento equivale a uma cesta básica durante todos os meses do ano para cerca de 12 milhões de famílias brasileiras. Em 31 de dezembro de 1997, a Dívida estava calculada em 196 bilhões de dólares. De acordo com o Banco Mundial, com 4 bilhões de dólares o Brasil poderia tirar 32 milhões de brasileiros da miséria?
· Em 1971, o Brasil devia 6 bilhões de dólares. De lá pra cá pagou mais de 160 bilhões de dólares e continua devendo quase 200 bilhões de dólares [hoje, 881 bilhões]. E em toda a história da dívida externa, o Brasil já pagou o equivalente a três vezes o valor daquilo que recebeu?
· Enquanto o governo brasileiro pagava 16 bilhões de dólares de juros somente em 1997, a Companhia Vale do Rio Doce foi vendida por apenas 3,7 bilhões para cobrir parte do déficit público?
· Nos últimos três anos [i.e. entre 97 e 99], o Brasil pagou uma média de 50 bilhões de dólares de juros e amortizações da dívida externa? Então falta dinheiro para salários, educação, saúde, habitação ...? Ou falta vontade política para colocar toda a questão em novas bases, mais justas?”

(Sugiro também “Brasil de Cardoso: a desapropriação do país”, James Petras e Peter Veltmeyer, ed. Vozes)
O cerne da questão proposta é remissão. Perdão dívidas, já que dívidas escravizam e oprimem.
Ao final do sétimo ano farás uma remissão.
Este é o modo da remissão:
Todo credor que emprestar ao seu próximo alguma coisa remitirá o que havia emprestado; não exigirá tributo/juro do seu próximo pois a remissão do Senhor é proclamada.

(Deuteronômio 15. 1 – 2)

Creio que as pessoas que vivem para os outros chegarão um dia a reconstruir o que os egoístas destruíram.
Martin Luther King, Jr.

- Você tem perfume, Daniel?
- Um restinho ...
- Tome ... e me atirou duas amostras de Quasar.
Dessa maneira, voltei a falar com meu primo.
Assim caminha a humanidade ...

31.1.03

Ano passado eu passei por momentos muito difíceis em Fortaleza. Momentos de dores profundas na alma. Parecia que cada vez que eu respirava o mundo a minha volta se voltava contra mim. Às vezes me desesperava com aquela situação contra a qual não podia lutar.
Em meio àquela situação revoltante, fui me sentindo cada dia mais afastado de Deus. Sofria por imaginar que não havia mais nenhum foco de amor por mim no universo. Não conseguia pensar em Deus como um Deus de Amor.
Até que corri a um refúgio em Fortaleza. A Igreja Presbiteriana Nova Jerusalém. Todo o culto girou em torno do amor. E Deus foi me falando. Eu procurava me sentir amado? Deus é amor. Eu estava sofrendo? O sofrimento era insuportável porque havia me esquecido de me lançar ao amor de Deus com toda a minha força (daí a importância de Kierkegaard atualmente).
Deus me fez ver que a dor e o sofrimento não iam passar. Ainda ia doer e eu ia sofrer, mas se eu dependesse do Seu amor, seria mais fácil. Ele cuidaria de cada ferimento, me poria em Seu colo, saberia descansar no Seu caminho.
Naquela noite, passei um tempo conversando com Deus. Queria reexperimentar o Seu amor em profundidade para que pudesse viver de novo. E, naquela noite, minha vida mudou novamente.
Dali em diante os motivos de meu sofrimento foram sendo sanados, a dor foi passando, eu fui crescendo. Hoje tenho procurado descobrir meu eu. De uma maneira nova e abençoadora.

É por isso que estou criando um Porto Seguro para você que, por acaso, me visita. Aqui, eu tenho o espaço para minha teologia revolucionária. Mas o meu chamado (da parte de Deus) também inclui cuidar da vida íntima de cada um que se chega a mim.
Tenho redescoberto essa dimensão ministerial. E tenho sabido que se eu puder ajudar alguém, vai ter valido a pena.

Batizei meu Pronto Socorro de Caverna de Adulão.
O que foi isso?
Se você se dispuser a ler a história de Davi na Bíblia, vai descobrir que Saul, antecessor de Davi, passou a perseguí-lo em todo o reino. O futuro rei fugiu e se refugiou na Caverna de Adulão. Desde então, essa caverna se tornou sinônimo de Refúgio.

Uma vez estive em um evento evangélico em um ginásio da cidade. Em determinado momento realizou-se uma entrada de bandeiras. O locutor anunciou: “E agora, a bandeira de nossa pátria!” Bandeira do Brasil? Não, de Israel.
Imediatamente, pensei: “Só se for da sua pátria, meu irmão. Meu pavilhão é o do Brasil”.
Mas muitos protestantes têm visão distorcida sobre o Oriente Médio. Para eles, tudo o que Israel fizer, está certo, é da vontade de Deus. O que os palestinos fizerem, mesmo que seja para se defender, é criminoso. E quando alguém levanta a voz contra as atrocidades, especialmente as do governo do Likud, surgem os arautos do fim do mundo, da volta de Jesus.
Tudo isso é fruto de uma visão limitada do mundo. É a mesma visão que realmente acredita que os interesses dos EUA na sua política intervencionista ao redor do mundo são defender a democracia e os direitos humanos. E que é incapaz de entender as motivações daqueles homens que tomaram os quatro aviões no 11 de setembro. Que realmente, de forma maniqueísta, adotou George W. Bush como o “mocinho” e Osama Bin Laden como o lado escuro da Força. Não consegue perceber que nenhum dos Senhores da Guerra tem razão de nada, mas que a Al Qaeda pelo menos tem a sua legitimidade.
A demoníaca filosofia do destino manifesto é presente especialmente em duas nações do mundo: EUA e Israel (as mais odiadas do mundo, também). Eles acreditam que o papel que Deus definiu no mundo para eles é de cabeça, nunca de calda. Acham que existem para imperar. Doa a quem doer.
Eles podem desrespeitar todas as resoluções da ONU contra si. Nunca os outros. Israel, por exemplo, é censurado pelo Conselho de Segurança há mais de trinta anos pela dominação dos territórios ocupados. Ninguém nunca os ameaçou seriamente. O Iraque, bem, que tem a maior reserva de petróleo do mundo ...
O apoio dos crentes a Israel se baseia em uma teologia absurda. Afirma-se que a terra pertence a Israel, por exemplo. Mas ninguém tem critério para perceber, primeiro, que depois de dois milênios de Diáspora, o moderno estado israelense tem pouco a ver com o Israel bíblico.
Também ninguém tem coragem de admitir que todos os textos bíblicos que atestam a posse da terra dada por Deus a Israel foram construídos ideológica e religiosamente no período posterior ao Cativeiro Babilônico, a fim de legitimar a opressão que os judeus estavam infligindo sobre os povos da terra. A fim, também, de legitimar o retorno os exilados para a Palestina, no período do domínio persa. Esdras e Neemias são os pais dessa teologia.
A única legitimação histórica que Israel possui é o holocausto da Segunda Guerra. Se sua ação contra os palestinos voltar a ser tão cruel quanto há algum tempo atrás, Israel vai ser cada vez mais ilegítimo.
Isso se a ocupação dos territórios palestinos já não tiver causado o fim dessa legitimidade.

Como você se sente quando alguém que você admira, por exemplo, pelo que escreve, por suas idéias, diz que também admira você assim?
Muito obrigado mesmo à Alice por todo carinho que tem demonstrado por nós.

Rubens Lemos era o nome de meu pai. Militante político desde a juventude, muita coisa na vida de meu pai foi clandestina. Eu nasci clandestino. Filho de um amor proibido há 23 anos.
Meu pai foi perseguido pelo Regime Militar. Exilou-se no Chile. Quando Pinochet derrubou Allende, voltou ao Brasil atravessando os Andes. Diversas vezes foi preso. Jornalista, não conseguia se calar mesmo quando estava comentando jogos de futebol: “A partida está difícil, mas se o povo se unir, pode conseguir a virada”.
Ele se casou duas vezes, jamais com minha mãe. Ela costuma dizer que eu fui feito em uma preliminar de futebol. Com suas duas mulheres, meu pai teve outros seis filhos (três com cada). No Chile, ele também deixou um herdeiro.
Rubens Lemos foi um dos fundadores do PT no Rio Grande do Norte e seu primeiro candidato a governador de Estado. Jornalista renomado por essas bandas, quando faleceu em 1999, seu sepultamento recebeu cobertura de toda a mídia natalense. Diversos políticos e colegas estiveram ali.
Mas meu pai morreu só. Das diversas mulheres que teve em vida, nenhuma estava com ele. Estava sendo cuidado por minha tia Rute. Sua companhia, há anos, era a bebida. Havia se internado em um hospital disposto a tentar, mais uma vez, a se livrar do vício. Não deu tempo de tentar. Morreu depois de cinco dias na UTI.
No velório, minha irmã e sua mãe (a segunda mulher de papai) posaram o tempo inteiro de viúva e filha arrependida. Era uma sexta-feira. Na segunda seguinte seria aniversário dele. Na segunda publiquei um texto no jornal, homenageando minha tia como a única viúva que Rubens Lemos deixara. Após um telefonema em que fui esculhambado por minha irmã, nunca mais falei com ela.
Hoje, quando vinha trabalhar, como sempre, o ônibus passou na rua dela. Como sempre, olhei para o ponto de ônibus para ver se ela não estaria ali... estava. Subiu no ônibus. Ela e sua mãe. Continuei lendo Kierkegaard, mesmo quando sua mãe me olhou penetrante.
Doeu. Não gostaria que essa situação se prolongasse indefinidamente. Faz praticamente quatro anos. Nós nunca nos falamos novamente.
Como disse a Susana, irmãos não são vítima, algoz e salvador. Irmãos são irmãos que se ferem, mas se desculpam. Espero por esse dia.

30.1.03

Acho que FHC ainda pensa que é alguma coisa, ou que o povo ainda lê o que ele escreve. Olha só o que tava no Leite de Pato:

"FH recomenda prudência a Lula
PARIS. No dia seguinte à visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva à França, o ex-presidente Fernando Henrique participou do primeiro seminário desde que deixou o poder e disse que seria ?uma impertinência? o Brasil querer assumir uma posição de liderança no cenário mundial. Fernando Henrique disse ter notado no petista Luiz Inácio Lula da Silva, em suas viagens internacionais, uma disposição positiva de assumir responsabilidades como presidente do Brasil, mas recomendou prudência aos que julgam que o país deva aventurar-se como nova liderança ao lado das grandes potências.

Well, well, well...
Não deve mesmo ser fácil para FHC ver da arquibancada Lula tentando provar que o Brasil é mais do que bunda, carnaval e futebol.
Podemos sim e devemos buscar um lugar de liderança na comunidade internacional, e isso dói muito no ex-presidente que, nos oito anos em que ficou encastelado no Planalto, fez questão de deixar o Brasil mais submisso do que já era. Deve ser isso a tal "Teoria da Dependência"."

Cada vez que vejo os Senhores da Guerra na tevê, meu espírito se indigna. Em especial contra a arrogância yankee.
Aí, busco respirar fundo e lembrar o Deus a quem eu sirvo. Ele abate o soberbo. Ele faz cair às babilônias de todas as eras. Ele reverte a lógica. Ele diz que é maior o que serve, o que dá a sua vida por muitos.
O maior poder do universo, quando esteve entre nós, nasceu na Palestina, periferia do Império Romano. Na Galiléia, periferia da Palestina. Em uma família pobre: Lucas nos conta que ao consagrarem Jesus no oitavo dia de vida, seus pais ofereceram o sacrifício dos pobres, “duas rolinhas ou dois pombinhos” (Lucas 2. 22 – 24).
Jesus exerceu seu ministério a maior parte do tempo à margem. Ganhou a oposição dos poderosos. Acabou sendo morto. Era subversivo e blasfemo.
Ressuscitou para garantir a destruição dessa forma mundana de poder.
Isso me deixa certo que o Deus da revolução não está (nunca poderia) ao lado dos Senhores da Guerra, em especial George W. Bush.
Isso me deixa certo que haverá amanhã. E que amanhã vai ser outro dia ...
APESAR DE VOCÊ
(Chico Buarque)
Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão, viu
Você que inventou esse estado
E inventou de inventar
Toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar
Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro
Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar
Você vai pagar e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Inda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai se dar mal
Etc. e tal

Visitem Alice. Vocês não vão se arrepender.

Será que vamos conseguir?

Visitem o nosso Colóquio.

Obrigado Jesus, me chicoteia pelo contato estabelecido.

Será que vamos salvar o mundo?

Cada vez que vejo os Senhores da Guerra na tevê, meu espírito se indigna. Em especial contra a arrogância yankee.
Aí, busco respirar fundo e lembrar o Deus a quem eu sirvo. Ele abate o soberbo. Ele faz cair às babilônias de todas as eras. Ele reverte a lógica. Ele diz que é maior o que serve, o que dá a sua vida por muitos.
O maior poder do universo, quando esteve entre nós, nasceu na Palestina, periferia do Império Romano. Na Galiléia, periferia da Palestina. Em uma família pobre: Lucas nos conta que ao consagrarem Jesus no oitavo dia de vida, seus pais ofereceram o sacrifício dos pobres, “duas rolinhas ou dois pombinhos” (Lucas 2. 22 – 24).
Jesus exerceu seu ministério a maior parte do tempo à margem. Ganhou a oposição dos poderosos. Acabou sendo morto. Era subversivo e blasfemo.
Ressuscitou para garantir a destruição dessa forma mundana de poder.
Isso me deixa certo que o Deus da revolução não está (nunca poderia) ao lado dos Senhores da Guerra, em especial George W. Bush.
Isso me deixa certo que haverá amanhã. E que amanhã vai ser outro dia ...
APESAR DE VOCÊ
(Chico Buarque)
Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão, viu
Você que inventou esse estado
E inventou de inventar
Toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar
Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro
Você que inventou a tristeza
Ora, tenha a fineza
De desinventar
Você vai pagar e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Inda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai se dar mal
Etc. e tal

Acabei de ler Philip Yancey. Ainda bem.

Kierkegaard diz que as pessoas em geral são iludidas pelos pastores e não percebem o que realmente são em geral: “espiritualmente, nada”.
Ele também diz:
Então, crer é: sendo nós mesmos e querendo sê-lo, mergulhar em Deus por intermédio da sua própria transparência”.
Uma das definições capitais do cristianismo é que o contrário do pecado não é a virtude, mas, sim, a fé”.

Minha avó nasceu poucos meses após a Semana de Arte Moderna. Muito longe de São Paulo, em uma cidadezinha do interior do RN, Florânia. Aos 80 anos, caminhando para o 81º aniversário, ela surpreende qualquer um pela sua vitalidade. Todos se admiram com a idade que tem. Parece bem mais nova.
Eliana é sua filha caçula. Aos 51 anos está se preparando para embarcar para Nova York, a se encontrar com o namorado. Aliás, planeja morar lá. Ela admite que só vai porque recebeu o apoio de vovó. Elas duas são muito ligadas.
Ontem à tarde fiquei estarrecido.
Primeiro ouvi a voz de vovó chamando alguém. Em poucos instantes, ela, que estava dormindo, veio à sala onde estava assistindo tevê, perguntando o nome de sua filha pequena a quem ainda amamentava.
Sem ação, controlei o máximo que pude minha reação. Um sorriso nervoso surgiu nos meus lábios. “Vovó está ficando senil!”, pensei. “A senhora está falando sério?”, perguntei.
“Estou. Como é o nome da minha filha pequena que eu estava dando de mamar e não consigo lembrar”, e começou a chorar. Não porque tivesse acordado para o mundo real, mas por não se lembrar do nome da filha. Por pouco, não me desesperei.
Aos poucos trouxemo-la de volta a 29 de janeiro de 2003. Vovó confundiu sonho e realidade. Descreveu sua filha pequena (Eliana, por acaso) e que ela estava indo embora com um menino mal intencionado. E nos deu o sinal de alerta de que não está apoiando tanto a viagem da minha tia.

29.1.03

Um amor epistolar, eletrônico.

Duas coisas:
1. Obrigado Leite de Pato pela referência dupla.
2. Visitem o Colóquio Amoroso entre uma sacerdotisa do absurdo e um seminarista revolucionário.

Obrigado Sérgio Luís por satisfazer minha dúvida quanto ao leitor de mentes.

Cheguei à Natal em dezembro passado juntando, ainda, os cacos que restaram de mim após um difícil processo emocional.
Na verdade, imaginava que seria virtualmente impossível que novamente pudesse me sentir amado. Aliás, realmente achava-me completamente indigno de amar e ser amado (e continuo pensando isso).
Mas, aí, em um dia extremamente difícil para mim, você (logo você) me estendeu a mão. Você me amou quando achava que ninguém mais me amaria. Você me acolheu quando achei que ninguém mais me acolheria.
“Você foi o primeiro, o grande e o único amor da minha vida”, você me disse. Já se haviam passado quase cinco anos.
Sou grato a Deus por você. Sou grato a você por mim, pelo novo eu que está nascendo. Por saber que em você eu posso encontrar suporte para todo desgaste emocional que ainda há aqui dentro de mim.
Se eu falhar com você, me perdoe. Vou me esforçar para sempre te fazer feliz, Pri. Vou me esforçar para sempre te amar mais.

Em 2001 fui apresentado a uma figura apaixonante. Domenico Scandella, chamado Menocchio, moleiro natural de Montereale, uma pequena aldeia nas colinas do Friuli, Itália. Nasceu em 1532 e foi executado pela Inquisição em 1602.
O livro de Carlo Ginzburg (“O queijo e os vermes” – Companhia das Letras) foi dos mais difíceis de resenhar que já li. Mas foi dos que li com mais gosto. Especialmente por ir conhecendo um indivíduo representante de uma camada baixa da sociedade pré-moderna européia, capaz de pensamento autônomo, leitura independente (de livros e da vida) e sintetizador de parte da mitologia da Europa medieval.
O que mais me fascinava em Menocchio não eram suas idéias, mas sua capacidade de produzi-las, sua postura revolucionária. Em um contexto em que a Igreja Católica exercia monopólio pleno de poder e saber, Menocchio ousou pensar diferente, ousou desafiar e acusar esse monopólio.
Mas sua cosmogonia é também interessante: “No princípio este mundo não era nada, e [...] a água do mar foi batida como a espuma e se coagulou como queijo, do qual nasceu depois uma infinidade de vermes; e estes vermes se tornaram homens, dos quais o mais potente e sábio foi Deus”.
“O queijo e os vermes” vale a aventura de ser lido.

Para Richard Shaull, ser reformado (calvinista/presbiteriano) implicava em ser revolucionário. Ele dizia que Calvino fundamentou “esta posição com sua ênfase na soberania de Deus e no chamado dos cristão para sempre prestar obediência a Deus acima de qualquer autoridade secular”.

Vivemos uma época em que pessoas são marcas e as marcas são cultura.
Naomi Klein
Essa citação eu trouxe do Lactobacilo Morto.

Existem coisas que doem fundo, mais do que a gente gostaria que doessem. E assim doem mais quando a gente tem que engolir.
Não fuja da dor!
Querer sentir a dor
Não é uma loucura.
Fugir da dor
É fugir da própria cura

Feridas feitas doem mais que feridas sofridas.

Encontros com o passado: encontrei na rua a última diretora da minha era no Colégio das Neves: Ir. Inês. Muito simpática. Visitem o Colégio das Neves.

O que mais se vê hoje em dia é a imagem de bombeiros retirando corpos ou resgatando vítimas de desabamentos em áreas de risco.
Se alguém me disser que a culpa é da chuva ou dos favelados que “escolhem” morar em áreas de risco, vou desejar que de alguma maneira esse alguém se veja nessa situação.
Ontem falei em Reforma Agrária. Mas essa reforma precisa, para ser efetiva, ser acompanhada por uma Reforma Urbana. E essas coisas, alcançadas, promovem e se realizam pela Revolução.
José Dirceu, quando foi empossado, referiu-se à necessidade que o país tem de uma verdadeira Revolução Social.
O país precisa mudar ou então ainda vamos chorar muitas vítimas das enchentes.
Quem fecha os ouvidos
ao clamor dos pobres
também clamará
e não terá resposta
”.(Provérbios 21. 13)

Manter a ordem é uma idéia tipicamente positivista. Está impregnada na ideologia eclesiástica contemporânea. Essa ideologia tem se baseado em uma interpretação fora de contexto de passagens como Romanos 13. 1 – 7. Deus é o Deus da ordem, dizem. Criar desordem é coisa do diabo, dirão. Será?
Penso que o Deus da revolução não é bem assim. Deus criou muitas desordens na história. Quando nasce a Igreja (relato de Atos 2), o evento pentecostal é puramente desordenado. Chegam a pensar que os discípulos estão bêbados!
Quando nasce a Reforma, outro momento de desordem. Lutero chega a ser proscrito do império. Ele é um subversivo.
Agora, não existe criação de desordem maior do que na história de uma jovem, noiva de um homem que, sem manter relações com homem algum, aparece grávida do Espírito Santo (quer dizer, do próprio Deus).
A Encarnação de Cristo é a maior desordem cósmica e eterna jamais havida. Promovida pelo Deus da revolução em favor da humanidade a quem Ele ama; Ele mesmo se tornou um de nós.
E então: quem quer criar desordem?

28.1.03

Obrigado Adaílton Pesegonha.

Visitem Charges.com.

Estou tentando mexer no template. Será que eu consigo?

Titãs, João Cabral de Mello Neto, Chico Buarque têm sempre o que dizer.

DESORDEM
(Sérgio Britto / Marcelo Fromer / Charles Gavin)

Os presos fogem do presídio,
Imagens na televisão.
Mais uma briga de torcidas,
Acaba tudo em confusão.
A multidão enfurecida
Queimou os carros da polícia.
Os preços fogem do controle,
Mas que loucura esta nação!
Não é tentar o suicídio
Querer andar na contramão ?
Quem quer manter a ordem ?
Quem quer criar desordem ?
Não sei se existe mais justiça,
Nem quando é pelas próprias mãos.
População enlouquecida,
Começa então o linchamento.
Não sei se tudo vai arder
Como algum líquido inflamável,
O que mais pode acontecer
Num país pobre e miserável ?
E ainda pode se encontrar
Quem acredite no futuro ...
Quem quer manter a ordem ?
Quem quer criar desordem ?
É seu dever manter a ordem,
É seu dever de cidadão,
Mas o que é criar desordem,
Quem é que diz o que é ou não ?
São sempre os mesmos governantes,
Os mesmos que lucraram antes.
Os sindicatos fazem greve
Porque ninguém é consultado,
Pois tudo tem que virar óleo
Pra por na máquina do estado.
Quem quer manter a ordem ?
Quem quer criar desordem ?


Visite os Titãs.

Veja se o texto bíblico não pode responder ao que o poeta nos põe. O poeta, no caso, é João Cabral de Mello Neto. É o “Funeral de um lavrador”. É “Morte e vida severina”.
O poeta trata do mesmo assunto de Levítico 25. 8 – 13. Levítico traz uma resposta de Deus à questão da terra: Reforma Agrária!

Funeral de um lavrador (Morte e vida Severina – João Cabral de Mello Neto)

Esta cova em que estás com palmos medida
É a conta menor que tiraste em vida

É de bom tamanho nem largo nem fundo
É a parte que te cabe deste latifúndio

Não é cova grande, é cova medida
É a terra que querias ver dividida

É uma cova grande pra teu pouco defunto
Mas estás mais ancho que estavas no mundo

É uma cova grande pra teu defunto parco
Porém mais que no mundo te sentirás largo

É uma cova grande pra tua carne pouca
Mas a terra dada, não se abre a boca



Levítico 25. 8 – 13
Contem sete semanas de anos, sete vezes sete anos; essas sete semanas de anos totalizam quarenta e nove anos. Então façam soar a trombeta no décimo sétimo mês; no Dia da Expiação façam soar a trombeta por toda a terra de vocês. Consagrem o qüinquagésimo ano e proclamem libertação por toda a terra a todos os seus moradores. Este lhes será um ano de jubileu, quando cada um de vocês voltará para a propriedade de sua família e para o seu próprio clã. O qüinquagésimo ano lhes será jubileu: não semeiem e não ceifem o que cresce por si mesmo nem colham das vinhas não podadas. É jubileu, e lhes será santo; comam apenas o que a terra produzir. Nesse ano do Jubileu cada um de vocês voltará para a sua propriedade.

Por favor, abaixo qualquer religiosidade alienante!
Como cristãos precisamos aprender a dialogar. Nossa teologia precisa se aproximar da cultura, dos profetas seculares de nosso tempo. Precisamos levar em consideração àqueles que têm refletido sobre esse tempo. E os nossos poetas são aqueles que melhor captam o sentimento do mundo. É com eles que precisamos conversar.
É por isso que hoje consigo ouvir Deus falando através de Titãs, Herbert Vianna, Chico Buarque, etc.. Se precisamos dar respostas, mostrar caminhos ao mundo, é a esses homens e mulheres que precisamos ouvir. Especialmente quando nos criticam.
Por isso, lutando contra qualquer religiosidade alienante, faço eco a uma antiga crítica dos Titãs contra a alienação dos crentes:
“Eu aprendi
A vida é um jogo
Cada um por si
E Deus contra todos
Você vai morrer e não vai pro céu
É bom aprender, a vida é cruel
Homem primata
Capitalismo selvagem
ô ô ô”
Abaixo toda religiosidade alienante! O Deus revelado em Jesus, o Deus do Evangelho, da Bíblia, é revolucionário:
“O Espírito do Soberano, o Senhor, está sobre mim, porque o Senhor ungiu-me para levar boas notícias aos pobres. Enviou-me para cuidar dos que estão com o coração quebrantado, anunciar liberdade aos cativos e libertação das trevas aos prisioneiros, para proclamar o ano da bondade do Senhor e o dia da vingança do nosso Deus”. (Isaías 61. 1 – 2)

Uma forte chuva me alcançou ontem quando o ônibus em que ia se aproximou do ponto em que desceria. Dali, pelo menos mais cinco minutos de caminhada. Pensei em esperar a chuva passar ou correr. Pra quê? Por que perder o prazer de tomar um bom banho de chuva? Protegi os livros o melhor que pude e fui curtindo a água molhando meu corpo, encharcando roupa e alma.

No último e-mail que enviei à Susana, psicóloga que continua me acompanhando, a pesar da distância, usei a palavra “terapia” entre aspas. Estive pensando no porquê. Entendi que não consigo usar o termo terapia (que para mim é muito formal) para designar um canal de comunicação caracterizado pela amizade. Sei que toda amizade é terapêutica, mas penso que quaisquer formalidades podem condená-la.

Estou tentando gostar de Philip Yancey. É difícil. É o primeiro livro dele que estou lendo. Se não fosse por obrigação, já o teria deixado de lado. Acho que meu problema com “Igreja: por que se importar?” se deve ao fato de ter lido Eugene Peterson antes. Há uma distância infinita entre Peterson e Yancey.
Mas o texto mais inquietante e desafiador continua sendo Kierkegaard.

Obrigado à Alice e Pixotte pelas palavras amáveis.

O texto em que Cesar e Shaull expõem o que disse aqui ontem é: "Pentecostalismo e o futuro das igrejas cristãs", editoras Sinodal e Vozes.

27.1.03

No Leite de Pato está transcrito um texto de Lima Barreto criticando o surgimento de novas seitas evangélicas a todo instante. Concordei com a atualidade do texto e com a verdade relativa daquilo que estava dito.
Richard Shaull e Waldo César apontam algumas das muitas virtudes do movimento neopentecostal. E, admire-se, eles tratam muito especialmente da Igreja Universal do Reino de Deus. César é sociólogo e Shaull foi um teólogo, falecido no ano passado.
Eles apontam, por exemplo, para a recuperação da auto-estima que esses movimentos religiosos trazem às pessoas. Elas de não-pessoas (como fala o Dr. Manfredo Oliveira) passam a ser alguém.
Mesmo o que de mais estranho nós criticamos em tais movimentos, eles demonstram o lado positivo. Veja, por exemplo, o fato de que os crentes de tais igrejas gostam de determinar as coisas para Deus. Eles falam que, nesse momento, pela primeira vez, muitos deles estão se autodeterminando como indivíduos, em um sistema que nos quer fazer crer que não somos ninguém.
Se procurarmos, ainda vamos conseguir pensar em coisas positivas.
É por isso que eles consideram esse movimento do Espírito uma nova Reforma. As igrejas estão chegando em lugares que nunca poderiam. E sabe por que? Porque são igrejas de pobres, que não possuem a nossa corrompida mentalidade elitista. Eles estão fazendo uma igreja que consegue responder às perguntas que o povo realmente está fazendo. Essas igrejas estão levando o evangelho revolucionário, libertador, às vidas de muitos que se viam à mercê da marginalização e desagregação social.
Você sabe qual o maior poder transformador das favelas, segundo os autores? As igrejas. Mas esse tipo de igreja que transforma a sociedade ainda é minoria. Até porque as igrejas que estão em posição chave pouco se envolvem em situações assim.
Acham que o que vai transformar o país é um presidente evangélico. Só que essa frase traz em si a sua própria sentença de morte: o tipo de transformação que eles pregam não tem nada a ver com as transformações que o Brasil precisa. Não tem nada a ver com o Deus revolucionário.
O Deus revolucionário está muito mais presente nesses lugares do que em muitos dos nossos belíssimos (e caros) templos.

O discurso de Lula em Davos me emocionou também. E representou bem o espírito dessa revolução contemporânea que pregamos. Quer dizer, no mínimo apontou para a sua necessidade. Veja um trecho:Mais de dez anos após a derrubada do Muro de Berlim, ainda persistem "muros" que separam os que comem dos famintos, os que têm trabalho dos desempregados, os que moram dignamente dos que vivem na rua ou em miseráveis favelas, os que têm acesso à educação e ao acervo cultural da humanidade dos que vivem mergulhados no analfabetismo e na mais absoluta alienação. (...)

Meu maior desejo é que a esperança que venceu o medo, no meu país, também contribua para vencê-lo em todo o mundo. Precisamos, urgentemente, nos unir em torno de um pacto mundial pela paz e contra a fome.

E, fiquem certos, o Brasil fará a sua parte.

Muito obrigado."

Você quer ver o discurso completo? Clique aqui.

Como eu sou fã de Millor Fernandes, visite-o.

O homem de la mancha

Sonhar mais um sonho impossível
Lutar quando é fácil ceder
Vencer o inimigo invencível
Negar quando a regra é vender

Sofrer a tortura implacável
Romper a incabível prisão
Voar num limite improvável
Tocar o inacessível chão

É minha lei, é minha questão
Virar esse mundo, cravar esse chão
Não importa saber se é terrível demais
Quantas guerras terei que vencer por um pouco de paz!

E amanhã, se esse chão que eu beijei
For meu leito e perdão
Vou saber que valeu delirar
e morrer de paixão!

E assim, seja lá como for
vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão.



Essa (linda e emocionante) eu trouxe lá do Espelho de Alice.

Clique aqui LEITOR DE MENTES e depois me explique como é essa loucura.

Bem, depois da reflexão de ontem, nada mais perfeito do que "um suicidado pela sociedade".





Faça você também Que
gênio-louco é você?
Uma criação de O Mundo Insano da Abyssinia


Acho que preciso fazer um esclarecimento quanto às minhas reflexões sobre Kierkegaard. O desespero humano só pode ser vencido na esperança eterna que se alcança na descoberta do eu. E o eu só se acha quando se perde. E só se perde quando se lança a Deus. E não foi isso que disse Jesus?
"Quem perder a sua vida, acha-la-a".

26.1.03

De que me adianta ler um livro se ele não me provocar nada? Em outras palavras: é lícito ler um livro só por lê-lo, sem ser desafiado por ele, sem procurar aplicá-lo à sua vida?
Pensando nisso, voltei meus olhos à minha leitura de “O desespero humano”, de Kierkegaard, e passei a meditar no que estava lendo, no que me dizia respeito aquilo. E eis o resultado:
Passamos a maior parte dos nossos dias na inconsciência de nós mesmos. Vivemos uma vida, digamos, “robotizada”. O cotidiano nos domina com sua repetição.
No âmbito mais íntimo, não nos preocupamos muito com qualquer nível de reflexão. Nós, simplesmente, não possuímos EU. E, por mais religiosos que sejamos, nossos ritos não estão nos levando ao abandono ao Infinito, única chance de adquirirmos a consciência do eu.
Esse é o padrão do mundo.
E aí, quando começamos a descobrir novas maneiras de nos relacionarmos com Deus (em nosso interior), passamos a ter um novo relacionamento conosco em busca de um eu. E é incrível que, na prática, a autoconsciência do eu nos leva ao conhecimento real do desespero. Mas se queremos vida real, o desespero não nos pode nos assustar, devemos nos lançar a Deus e descobrir nosso eu.
De algum tempo para cá, esse processo está se desenvolvendo em mim. E, por isso, o mundo exterior tem me pressionado a não ser eu.
É incrível. Quanto mais eu busco a consciência do eu, menos conforme ao padrão exterior eu me encontro. Dessa maneira, a exterioridade me pressiona a que me adapte, esqueça essa idéia de eu, continue na inconsciência plena de vida de antes, robotizado, automatizado.
No meu caso, o processo tem gerado intensos conflitos de inadaptabilidade. É que “eu não caibo mais nas roupas que cabia”. Ser eu, em um mundo que não aceita isso, é doloroso. E essa dor da pressão exterior se soma ao desespero que é descoberto quanto mais perto se chega do eu.
Isso me faz pensar em “Matrix”. Alguma coisa dentro de Neo e o dos outros os levava à dúvida. Kierkegaard chamou esse sentimento de desespero. Nem todos se apercebiam dele. Nem todos se apercebiam da Matrix. mas alguns chegaram ao desespero, à consciência do eu, escolheram a pílula certa.
O senso comum se conforma à frase (clássica) do filme (e que reaparece em “Swordfish”): “A ignorância é uma bênção”. Nesse sentido, Kierkegaard cita Shakespeare: “Maldito sejas, primo, porque me desviaste daquele doce caminho em que eu estava em pleno desespero!”. Mesmo que uma vida assim não possa ser chamada de vida, mesmo que ela doa, prefere-se isso ao desafio da autoconsciência, porque essa autoconsciência pode nos causar dor.
E aí os que adquiriam a autoconsciência eram rejeitados pelo sistema, pela Matrix. Eram condenados. Tornavam-se lixo. Os inadaptáveis devem morrer. São perseguidos pelos Agentes do sistema.
É preciso ter coragem para buscar a autoconsciência.
E sabe que “Matrix” tem uma metáfora fascinante? (Há claras referências bíblicas, como o nome da cidade dos humanos da resistência: Sião). Neo é o Messias. É a metáfora do Cristo. E o que aconteceu com Jesus vemos metaforicamente em Neo. O mais inadaptável dos homens, mas a sua única esperança (isso lembra o Servo sofredor de Isaías). Despercebido pela maioria. Termina sendo morto pelo sistema, mas ressuscita para destruir o sistema. Para redimir e libertar a humanidade!
Para vencer o sistema, junte-se a Jesus. Ele o vai destruir. Essa é a esperança cristã.
Como na Matrix, os que buscam a autoconsciência do eu são descartados pelo sistema. Mas, antes disso, o sistema de inconsciência à nossa volta tentará nos acomodar, adaptar a todo custo. Aí, virão conflitos inevitáveis.
Mas, ainda assim, eu prefiro está ao lado dos inadaptáveis.
E você?

O livro bíblico mais revolucionário para mim é o evangelho de Lucas. Ali você vai encontrar preciosidades que demonstram o nosso imenso pecado contra o Deus das revoluções. Alguns exemplos:
“Bem-aventurados vocês, os pobres, pois a vocês pertence o Reino de Deus.
Bem-aventurados vocês, os que agora têm fome, pois serão satisfeitos.
Bem-aventurados vocês, que agora choram, pois haverão de rir. (...)
Mas ai de vocês, os ricos, pois já receberam sua consolação.
Ai de vocês, que agora têm fartura, porque passarão fome.
Ai de vocês, que agora riem, pois haverão de se lamentar e chorar”. (Lc. 6. 20 – 21 e 24 – 25).
Mateus espiritualizou tudo, mas Lucas conserva a crueza e dureza o discurso de Jesus, que se complementa mais à frente, no seu encontro com o jovem rico, quando o Mestre diz: “Como é difícil aos ricos entrar no Reino de Deus! De fato, é mais fácil passar um camelo pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus”. (Lc. 18. 24 – 25). E essa fala de Jesus é ilustrada no capítulo seguinte no relato da conversão do rico e ladrão (o que é praticamente óbvio – todos os ricos enriquecem porque exploram alguém, sua força de trabalho, sua personalidade, seus bens) Zaqueu. Zaqueu se converte. Mas qual é a prova de sua conversão? “Olha, Senhor! Estou dando a metade dos meus bens aos pobres; e se de alguém extorqui alguma coisa, devolverei quatro vezes mais. Jesus lhe disse: Hoje houve salvação nesta casa!” (Lc. 19. 8 – 9). Só se sabe que Zaqueu se converteu porque ele partilhou a sua riqueza.
Preste atenção na conta. Se Zaqueu possuísse o equivalente a 100 “dinheiros” e deu metade aos pobres, lhe restou 50, não é verdade? Pois bem, Zaqueu era chefe dos coletores de impostos, sabidamente uma profissão que extorquia a população. Eles, de antemão, pagavam os impostos aos romanos do próprio bolso. Aí, ficavam livres para lucrar o quanto quisessem, ao cobrarem a dívida de seus conterrâneos. Para que Zaqueu não ficasse devendo ao final do pagamento de suas “dívidas”, a parcela de dinheiro que equivaleria ao que ele recolheu de lucro sobre os impostos não poderia ser maior que 12, 5 dinheiros, o que é historicamente improvável. Ele era o chefe, logo auferia lucros muito maiores que esse percentual. Entendeu? Zaqueu, ao se converter, de rico se tornou pobre. Para o rico se converter, na concepção de Lucas, ele deve se tornar pobre!
O que a gente faz então? Manda os ricos de nossas igrejas se converterem. De verdade. Apesar de entendermos que isso é virtualmente impossível.
Mas acredito que esse pecado é motivo de nossas igrejas serem irrelevantes na nação. Por isso é que eu acho que o que diz Arnaldo Antunes, se aplica perfeitamente ao nosso trabalho como igreja, atualmente. Essas perguntas deveriam ecoar nos nossos templos, para percebermos que a nossa falta de compromisso com o Deus da Palavra é que nos distancia do povo a quem somos enviados e nos faz sermos pouco entendidos:
“Será que eu falei o que ninguém ouvia?
Será que eu escutei o que ninguém dizia?”

Acredito que a resposta, no caso da igreja, é sim. Nosso discurso não combina com nossa prática e ambos estão distantes das necessidades do povo, porque nos distanciamos do Deus que nos chamou. Nosso compromisso tem sido com Mamon e seu status quo. Enquanto isso, nenhuma diferença social faremos. Manteremos a ordem (porque criar desordem é do diabo, dirão), temeremos qualquer revolução.
Mas eu vou ficar com o que ainda diz Arnaldo Antunes, respondendo suas perguntas:
“Não vou me adaptar!!!”

Mais um pouco de Sören Kierkagaard falando sobre a relação entre o desespero humano e a consciência do eu:
“Vai aumentando a consciência e os seus progressos medem a intensidade sempre crescente do desespero. Quanto mais aumenta, mais intensa se torna. Visível em toda parte, realça-se sobretudo nos dois extremos do desespero. O do diabo é o mais intenso de todos, do diabo, espírito puro, e, por essa razão, consciência e limpidez absolutas. Sem nada de obscuro nele que possa servir de desculpa, de atenuante. Daí que seu desespero é o próprio cume do desafio”.