21.2.04

Acredito que provavelmente o PT e o governo não devessem barrar quaisquer CPIs que se proponham a investigar corrupções, doa a quem doer. Lutar contra passa a impressão de que se tem algo a esconder. E isso pode aumentar, e muito, o grau de decepção popular contra Lula. Isso é uma coisa.
Duas outras coisas diferentes são, em primeiro lugar, explorar denúncias sem comprovação, como as do filho de Brizola, por exemplo, em detrimento da volátil e frágil economia desse país. Quando o noticiário irresponsavelmente se rende ao denuncismo sem provas, quando a oposição, qualquer que seja ela, faz uso desse expediente, sem pensar que conduz assim o país a uma situação complicada, me causa tristeza. A tristeza de ter certeza que a luta por poder e prestígio se faz sem pensar na realidade do país, sem pensar no bem da nação.
A outra coisa diz respeito à postura governista da Globo. Dependendo sempre do poder público, seja financeiramente, seja politicamente, a Globo inverte aquela fala atribuída aos anarquistas: Há governo? Sou a favor. Entendam que eu sou petista, lulista e defensor intransigente da esperança vermelha. Mas também sou jornalista. E me entristece ver o tratamento condecendente e parcial (afavorante) da Globo no caso Waldomiro. Por exemplo: o Jornal da Record da noite passada mostrou um único trecho do discurso do presidente no Rio Grande do Sul onde ele disse que no seu governo nenhuma denúncia de corrupção ficará sem uma profunda investigação e punição dos culpados. Isso acompanhado pelas mordazes críticas de Boris Casoy. Já o Jornal Nacional mostrou todo o discurso do presidente, finalizando todas as matérias sobre o caso, dando a entender que Lula está forte, é um homem honrado e o governo está fazendo o que é possível na investigação das denúncias. Enfim, o JN trouxe uma mensagem de profundo significado positivo em relação ao governo, traduzindo uma atmosfera de debelação de toda crise.
Como jornalista (mesmo petista ou lulista) acho que a tarefa da imprensa não é ser a favor, mas ser crítica de todo governo. Ziraldo, petista, quando o partido assumiu o poder disse que sua produção, agora, necessitava ser de oposição, mesmo que seu partido estivesse assumindo o governo. Concordo com ele.

As corrupções nos cleros já datam de tempos bíblicos. Angustia-me, às vezes, porque fazemos vistas grossas a toda canalhice que acontece por aí. A IURD é um exemplo, já que muitas igrejas ditas sérias não têm disposição para questionar suas práticas. Adotam a política dos panos quentes. A ética contemporânea está na bunda. Vivemos tempos em que a estética de tchans vale mais que a ética de vidas reais e comprometidas com a verdade, já dizia Carlos Queiroz. E isso é lamentavelmente verdade no que se refere a igrejas. A estética do lucro (material e simbólico), o poder e o ter sobrepujam a ética da vida, que deveria ser compromisso primordial dos cristãos. Só que acontece que muitos de nós servimos Mamon e deixamos Deus de lado. Edir Macedo, bispo Rodrigues, R.R.Soares e trupe que o digam

20.2.04

Estou lendo Cibercultura, tecnologia e vida social na cultura contemporânea, tese de doutoramento de André Lemos, professor da UFBA. Ao contrário das minhas impressões recentes sobre os textos de Pierre Lévy (acredito que o francês pirou), o livro de Lemos é claro, profundo e facilita a nossa compreensão do mundo contemporâneo. É impressionante como somos incapazes de ler o texto sem que façamos imediatos links com realidades (ou ficções) com as quais nos deparamos todo o tempo. Em particular três produtos de entretenimento foram melhor compreendidos por mim através do livro.
O primeiro é a série 24 horas. O grande atrativo do programa não é a ação ou o elenco ou o enredo. O atrativo é o tempo real. Isso deve explicar o seu sucesso nos EUA, aqui ou em qualquer parte, já que, como explica o professor baiano, o tempo real ou presenteísmo, trazidos à concretude pela Internet, é uma das mais fortes características de nossa cibercultura atual. A cibercultura é um novo paradigma, mais amplo que suspeitamos, que está se impondo com o advento das novas tecnologias. 24 horas faz sucesso porque atinge um dos aspectos simbólicos mais essenciais dos nossos dias. E nos fascinamos com a narrativa que nos gera a ilusão de que tudo ocorre de acordo com o nosso cronos, ainda que nossa disponibilização do produto atenda ao tempo oportuno de cada um, ao kairós.
O tempo real e a espetacularização, decorrente disso, do indivíduo explicam o sucesso da vulgaridade chamada Big Brother. Os elementos que a Escola de Frankfurt já analisava, especialmente a questão do mito na cultura de massas, estão presentes no programa, causando uma potencialização relativa à vulgarização espetacular dos sujeitos. Mas o tempo real que se identifica com a ruptura das privacidades, gerando a publicização do privado, nos empolga como espectadores. Entramos na casa das pessoas (ainda que essa casa não seja real e muito menos um lar) movidos pela curiosidade da vida realizada em 24 horas de câmeras abertas e segredos desvendados.
O último produto que foi esclarecido pelo livro de André Lemos foi a trilogia Matrix, já que o autor explica diversas teorias de comunicação na era digital que subjazem à produção dos filmes. E eu posso garantir que muita coisa pode ser melhor entendida quando entramos em contato com estas teorias. Como, por exemplo, o misticismo cibernético que não se relaciona a uma religião no sentido comum, mas entende, como todas as formas místicas tradicionais, que apenas iniciados podem ter acesso a um novo mundo, uma nova realidade do espírito. É assim que se entende a realidade da cibercultura. É assim que se entende a escolha de Neo por descobrir o que é a Matrix.

Vem aí o Carnaval e eu estou viajando amanhã para um retiro. Só devo voltar na quarta.

17.2.04

Saudades de algumas pessoas queridas. Saudades de Hadassa, colega de seminário de quem não tive mais notícias. Já deve ser hoje pastora em algum lugar no Amazonas. Menininha pequenina, um doce de pessoa profundamente arguta, inteligente, sensível e capacitada para o ministério. Mais que amiga de todos nós, cuidava pessoalmente de cada um. Como filhos, mesmo que tivéssemos mais ou menos a sua idade.
Uma vez adoeci. E quando todos foram para as suas igrejas no domingo à noite, Hadassa batia à minha porta para ver como estava, para me trazer chá, cuidava de mim.
Certa vez, vivemos uma experiência juntos ao tentarmos (sem sucesso) ir assistir a uma peça. O ônibus que íamos pegar no terminal do Parangaba atrasou mais de uma hora devido a um assalto sofrido. Impacientes, em pé na fila, meu ciático doeu como nunca (e isso não qualquer figura de linguagem - é a mais pura verdade). Mas a comédia estava reservada por um trio de homossexuais atrás de nós na fila. Eles me paqueravam (sem que eu notasse), fuzilando Hadassa com seus olhares ferozes. Ela, me defendendo, se punha ainda mais perto. Parecendo ainda mais namorada. Não, não a namorei.

Não, não sou gay.

Hoje à tarde fui me consultar em um ortopedista e vivenciei uma experiência que me fez lembrar Adriano. Uma hora de atraso na chegada do médico me fez desistir da consulta e remarcá-la para quinta-feira. Como o atendimento não era também com hora marcada mas sim por ordem de chegada, eu ainda esperaria pelo menos mais uma hora até ser atendido.
Se em uma consulta paga pela UNIMED o tal médico se comporta dessa maneira, fiquei pensando em como não deve ser uma consulta sua pelo SUS. Acho que minha fala já trás a resposta: não deve ser.

Quando namorava Raquel dependemos uma vez do SUS para uma necessidade médica dela. Saímos de casa em uma manhã antes das cinco horas. Fomos para o posto médico da Praça José de Alencar, no centro de Fortaleza. E entramos em uma fila de já razóavel tamanho.
Ao subirmos para o atendimento, resolvemos constatar qual o tempo médio de consulta para aquele médico. Não chegava a três minutos e, com alguns pacientes, atingia o recorde de um minuto e dez segundos.
Raquel, coitada, nem teve o privilégio de ser olhada pelo médico, que ouviu sua descrição do problema, receitou exames, fisioterapia e remédio, sem, ao menos, levantar os olhos dos papéis que olhava.

16.2.04

Quando eu era criança (garanto que é difícil falar uma frase assim - às vezes não pareço ter consciência da idade que tenho), não conseguia perceber o tamanho e valor do sacrifício que minha família fazia para que eu estudasse. Pensei nisso nesses dias. Se não fôra o enorme sacríficio pessoal que minha tia e minha mãe fizeram para eu estudar em uma das melhores escolas dessa cidade - o Colégio das Neves - estou certo de que minha vida seria outra. Destinado à escola pública, falida em nossa terra, não teria tido a chance que tive de entrar em uma universidade, concluir o curso superior e tentar ingressar no mestrado. Não seria jornalista. Não teria a condição de aprender a viver como aprendi. Que profissão seria a minha, não sei. Mas se hoje as chances no mercado ainda são poucas para mim, imagino como seriam se não fosse a luta de minha família por meus estudos.

Queila, minha amiga, era apaixonada por Kiefer Sutherland uns anos atrás. Mas, é claro, como ele aparecia nos filmes de sessão da tarde. Filmes de 20 anos atrás. O Jack Bauer de Sutherland é um homem maduro que tem uma filha da idade dela.

O Jornal União não circulou no último sábado por um erro infantil do Diário de Natal que não registrou o pagamento por parte da direção do veículo evangélico.

Soube ontem que 24 horas vai para a quarta temporada nos Estados Unidos. E que os atores não têm tempo nem de ir ao banheiro durante as gravações.