20.2.03

Relembrei hoje uma antiga música dos Paralamas que tem tudo a ver com meu pensamento hoje:

O HOMEM
Herbert Vianna

O homem traz em si a santidade e o pecado
lutando no seu íntimo
sem que nenhum dos dois prevaleça.

O homem tolo se põe a lutar por um lado
até perceber
que golpeia e sente a dor
ele é o alvo da própria violência.

Só então vê
que às vezes o covarde é o que não mata
que às vezes é o infiel que não trai
às vezes benfeitor é quem maltrata
nenhuma doutrina mais me satisfaz
nenhuma mais.


Shaull,
Sei que você já não pode ler isso. E por isso realmente eu lamento.
Sabe, hoje, lendo o texto que você escreveu sobre o 11 de Setembro chorei ao perceber que não pude nem poderei mais te conhecer aqui, neste mundo.
E nem ousaria dizer que a morte veio cedo demais para você. Primeiro, porque sei que sua intensa vida fez com que cada segundo dela valesse a pena, não só para você, mas também para todos os que deixaram levar por seu gênio. Valeu a pena para mim, jovem de 23 anos, que um ano atrás jamais ouvira falar em você. E chegou muito tarde a esse mundo para poder te ver. Acho que, mesmo assim, você ainda tinha muito mais a oferecer a este belicoso mundo.
Você esteve no início dos anos 90 lá no Seminário de Fortaleza, meu lar teológico. Uma pena eu não estar lá.
Invejo os privilegiados que puderam conviver com você, aprender diretamente de você, ouvir de sua boca sobre o Deus das revoluções e ser confrontado com Ele por meio do seu ministério. Eles viveram, junto a você, momento ímpar de produção teológica.
Ouso lhe dizer uma coisa. Algum tempo atrás costumava orar pedindo para ser alguém como Moody, como Graham nas mãos de Deus. Porém, hoje, seria imensamente feliz se pudesse servir a Deus como um Richard Shaull. Ser um seu continuador.
Ser um pensador que crê no Deus das revoluções.
Adeus,
Daniel.

Achei pela internet outro dia um texto de Richard Shaull sobre o 11 de Setembro. É uma pena o mundo já não ter um homem assim:

UMA ABERTURA PRECÁRIA A UM FUTURO NOVO

Enquanto buscamos qualquer significado perante os inimagináveis e devastadores atos de 11 de setembro, muitos estão se voltando para a religião querendo consolação e também procurando uma resposta à questão: onde se encontra Deus em tudo isto? Nesta situação, nós, que somos cristãos, confrontamo-nos com um tremendo desafio.

No centro de nossa fé está a convicção de que o Deus que criou este mundo deu aos seres humanos uma liberdade extraordinária para criarem condições para uma vida abundante para todos ou para explorar esta liberdade na destruição da vida humana e da sociedade. Deus nos deu esta escolha. Ele não viola esta liberdade nem a tira de nós, mesmo que seja explorada por gente desesperada.

Nossa herança de fé declara também que Deus está presente neste mundo de forma ativa. Deus está presente como aquele que ouve os clamores dos povos pobres e abandonados da terra. Deus os acompanha em sofrimento, convoca-nos a que os acompanhemos e oferece vida, a nós e a eles, enquanto respondemos ao seu choro.

Se nós confiamos na presença deste Deus, nossa percepção acerca da situação em que nós nos encontramos, pode mudar gradualmente. Nós repudiamos a destruição de vidas inocentes e nos solidarizamos com nossa nação em sua determinação de encontrar os perpetradores desta destruição e de que sejam julgados. Mas podemos também nos descobrir indo para mais além disto em nossa compreensão tanto do que aconteceu como de nossa resposta a isto.

Não podemos deixar de nos perguntar: Como poderia isto nos ter acontecido? Ou como Claude Lewis, colunista do The Philadelphia Inquirer o fez: “Que agravo teria sido tão sério que haja levado homens em terras estrangeiras a planejar o seu próprio suicídio com dois ou três anos de antecipação – apenas para assassinar americanos?”

Depois de passar a maior parte de minha vida adulta vivendo e trabalhando em países do “Terceiro Mundo” penso que não precisamos procurar muito longe para descobrir uma resposta.

Nós, na América do Norte, temos nos contentado em desenvolver em nosso benefício e até os seus limites um sistema econômico que produz riqueza para nós – que somos uma mui pequena proporção dos povos criados por Deus – e que desenvolve as mais avançadas tecnologias para nos enriquecer ainda mais a nós mesmos e aumentar o nosso poder. Temos feito muito para pouco transformar esta ordem e servir às mais urgentes necessidades de centenas de milhões de povos pobres e excluídos.

Temos nos permitido apoiar uma política externa que pouco tem feito para contrapor a agressão dos poderosos contra suas vítimas. Muito freqüentemente usamos também nosso poderio militar e econômico para sustentar aqueles que exploram o seu povo e solapam os esforços dos que lutam em prol da justiça.

Precisamos reconhecer que nossos tremendos desenvolvimentos tecnológicos nos trouxeram a um ponto tal em que uns poucos homens, prontos a morrer por sua causa, podem fazer com que nossa mais recente tecnologia se volte contra si mesma. O potencial que esta possui para a destruição é quase ilimitado. Como uma nação e como um povo, somos agora vulneráveis. Todo o nosso poderio militar e nosso poder econômico não podem mudar isto.

Podemos responder dedicando ainda mais de nossas energias e de nossa riqueza àquelas coisas que nos falharam e que continuarão a fazê-lo. Podemos, perante nossa vulnerabilidade e insegurança, dar lugar ao desespero sem qualquer esperança para o futuro. Ou, podemos ousar crer que nisto, e por meio disto tudo, Deus está presente, oferecendo-nos a possibilidade de criar um novo futuro.

Tomar parte nisso exige uma conversão radical.

Uma decisão de dedicar nossas energias – com uma paixão comparável à dos bombardeadores suicidas – à descoberta de como usar nossa riqueza material, nossa inteligência e nossos avanços tecnológicos para responder ao desesperado sofrimento dos povos dominados e abandonados. Caso contrário, podemos estar certos de que o crescente número dos que não vêem esperança de mudança atacarão enraivecidos, nova e freqüentemente, os que têm a riqueza e o poder.

O reconhecimento de que não mais podemos tomar em nossas mãos a responsabilidade de impor ordem ao mundo, usando nosso poderio militar e poder político para monitorar e dominar o mundo. Não podemos mais marcar passo perante os amargos conflitos entre os povos, geradores da violência e do desespero, especialmente aqueles que ajudamos a criar. Podemos discernir que somente a constante colaboração e interação com outras nações e povos podem levar o mundo à segurança e à paz.

Esta pode parecer uma tarefa esmagadora. Em atitude de fé nós a empreendemos sem exigir uma garantia de que seremos bem sucedidos. Mas ela é – estou convencido – o caminho para uma vida significativa para nos e uma fonte de esperança para outros. E ela oferece a possibilidade de desafiar uma nova geração com uma visão que oriente suas vidas. Assim fui grandemente encorajado ao ouvir estas palavras de uma voz jovem, John Silson, um graduando do Haverford College: “Este pode ser um evento central na história. Talvez ele incite uma cultura de terror. Mas talvez seja um catalisador para espalhar a paz e a justiça”.

Quem quer que sejamos, podemos agora aproveitar a oportunidade para convocar umas poucas outras pessoas para juntos discutirmos modos pelos quais nossas perspectivas, nosso estilo de vida e nossas lutas políticas possam ajudar nossa nação ao longo do caminho para uma nova vida.

Se nossa nação voltar suas costas a esta oportunidade dada por Deus, colocar sua confiança somente em respostas militares e contribuir, direta ou indiretamente, para a morte de um crescente número de crianças, mulheres e homens inocentes, então este testemunho de pequenas comunidades de fé será igualmente importante. Pois nossa recusa em aproveitar esta oportunidade tornará quase inevitável o ressurgimento do terrorismo em uma dimensão que agora nem podemos imaginar. Ele poderia soprar sobre as chamas do ressentimento que agora existem contra nosso poder e nossa riqueza e contra o uso que deles fazemos. E nossa nação poderia acabar contribuindo para uma espiral descendente da civilização para uma nova idade da barbárie. Neste contexto, revitalizadas comunidades de fé – orientadas na direção de um futuro diferente e vivendo no poder do Espírito – sustentarão esta visão e manterão viva a esperança.

Richard Shaull

19.2.03

Hoje, comemoro meu primeiro mês de vida blogueira. Por isso, vamos aos agradecimentos:
Primeiro, à Sacerdotisa do Absurdo, que após me fazer apaixonado por ela, me fez apaixonado pelos blogs;
Também, aos que me visitam e de quem sou fã incondicional:
Gente como Alice, Marcurélio , Adaílton e Kibe Loco!, muito obrigado!
E ao Deus das revoluções, acima de todos, que tem me feito recuperar a alegria de meu chamado, o lugar dele e o prazer de pensar libertária e teologicamente.

Tem coisa nova no Porto Seguro.

Foi construída, há tempos, especialmente em ambiente protestante, uma virtual incompatibilidade entre marxismo e cristianismo. Lendo Michael Löwy hoje, meditei um pouco sobre a realidade desta incoerência.
É lógico que a premissa básica é a afirmação ateísta do marxismo, a partir de sua crítica religiosa. Mas as mesmas pessoas que acham que essa afirmação fecha as portas ao diálogo cristão-marxista, não são tão radicais em relação a outros possíveis diálogos sociais, como aqueles que permeiam acordos políticos entre igrejas e partidos. A questão é mais profunda e ideológica.
Mas, efetivamente, marxismo e cristianismo têm objetivos comuns, o que, na prática, possibilitaria um diálogo rico, cada parte respeitando a outra. Vejam só.
Ambos se apropriam de utopias (visões sociais de mundo críticas quanto à ordem estabelecida). O comunismo e o Reino de Deus são, na verdade, utopias muito semelhantes. Segundo Löwy, o comunismo para Marx e Engels seria uma sociedade sem classes, igualitária, harmoniosa, na qual o homem e a mulher seriam iguais. E isso é o que a Bíblia ensina sobre o Reino (consumado).

Assim, é possível antever o contexto e as motivações que desenvolvem a teologia dos galardões, muito (mas muito mesmo) comum em ambientes evangélicos.
Essa teologia afirma que no Reino consumado as pessoas estarão mais perto de Jesus na medida de suas obras na terra em prol da vontade de Deus. Essa retribuição também é entendida como jóias (bênçãos) que os crentes vão receber em sua coroa na glória.
De qualquer maneira, tal concepção torna inexistente uma possível sociedade sem classes. Mesmo no céu, a sociedade de classes do nosso mundo será reproduzida, havendo uma elite espiritual (rica de jóias em suas coroas) e um proletariado, que por muito pouco escapou da perdição (pelo fogo).
E como em geral os adeptos dessa teologia entendem as boas ações que merecem galardão na medida do dinheiro que o crente investe “na obra”, essa elite continua sendo a mesma elite capitalista, mundana, que há nas igrejas hoje.
Não é de se estranhar que essa ideológica concepção teológica tenha nascido nos EUA e tenha ganhado força, ocupando o espaço de diversos movimentos críticos, utópicos, libertacionistas, sempre entendidos como heréticos.

Mas na verdade a heresia é teologia dos galardões. Inúmeros exemplos em Jesus demonstrariam que o Reino dos Céus constitui-se de uma sociedade sem classes. Mas gostaria de citar uma parábola que encerra, com clareza, a questão dos galardões. Aliás, ela foi dita por Jesus justamente para responder a essa questão.
O texto é Mateus 20. Lá Jesus conta a parábola sobre um dono de terras que sai diversas vezes em um dia para contratar trabalhadores, combinando com eles o salário de um denário.
Na hora do pagamento, aqueles que trabalharam apenas uma hora recebem primeiro esse salário. Em seguida, quando os que passaram o dia todo trabalhando vão receber o salário, se chateiam por terem recebido a mesma quantia (esperavam receber mais, pois fizeram mais).
Mas o empregador lhes lembra o salário combinado e que ele não pode ser chamado de injusto por querer pagar a todos a mesma quantia.

A parábola responde à questão dos galardões. Deus prometeu uma só coisa a todos os que crerem: salvação gratuita pela fé em Jesus. Não há plano de escalonamento, nem percentual de produtividade no céu. Todos receberão unicamente o que foi acertado.
Isso significa que, graças a Deus, o Reino de Deus continua sendo uma sociedade sem classes, igualitária, pela qual podemos começar a lutar aqui e agora. Ainda que isso signifique Revolução.

18.2.03

Apesar da mensagem do blogger (Sorry, publishing is temporalily unavailable), leiam isso.

Estourando o Latrocínio de Bush, uma coisa para mim está certa: o mundo não será mais o mesmo.
Há alguns dias venho pontuando alguns raciocínios com as novidades que estão no entorno desse conflito. E, logicamente, ao fim dele essas coisas pontuais devem se radicalizar. Aliás, algumas já se radicalizam.
Por exemplo, a Turquia está condicionando o uso americano de seu território durante a Guerra a uma resolução do Conselho de Segurança da ONU. A força da opinião pública mundial está sendo testada.
Por outro lado, a noção de democracia e ditadura deve ser revista. Em que é democrático um governo que toma atitudes que contrariam a vontade manifesta de oitenta por cento de sua população, como é o caso da Grã-Bretanha?
Em que é democrático um governo que censura informações, como é o caso dos EUA? Minha tia está em Nova York e relata que muito pouco se fala sobre a Guerra por lá.
Ou como no exemplo citado ontem pelos pensamentos imperfeitos.
Por que é mais fácil comprar esse mundo maniqueísta que a ideologia quer vender: Bush, o cowboy-herói; Saddam, o índio-bandido?
Cada vez mais me convenço que a estatura bélica dos EUA se oculta atrás da sua estatura, digamos, moral. Infinitamente menor, pequena, miserável.
E ainda vem um irmão da minha igreja dizer que os EUA estão se corrompendo da sua missão de celeiro de missionários, “como foi no passado”, não percebendo que a grande obra missionária do passado yankee correspondeu aos interesses seus interesses imperialistas. Quando as nações se convenceram da ideologia da qual os missionários eram mensageiros (principalmente no que se refere ao conceito de desenvolvimento relacionado ao american way of life), missionários não precisariam mais ser enviados. A ideologia agora já se estabelecera.
Foi ela quem execrou, em meios protestantes, toda e qualquer teologia nacional, revolucionária ou libertacionista. E aí, intelectuais como Rubem Alves começaram a serem encarados como hereges, e sua teologia como manifestações do próprio Satanás.
Um amigo meu, recentemente, sendo avaliado pela sua igreja, teve que responder se era adepto da Teologia da Libertação ou Reformado, como se ambas fossem auto-excludentes. E, sintomaticamente, foi um pastor norte-americano que lhe perguntou isso.
Isso porque se houver algum pastor nessa igreja que seja libertacionista ou revolucionário, a construção secular da ideologia do american way of life vai estar ameaçada. E assim não haverá mais espaço ideológico no meio do povo de Deus.
Essa mesma ideologia faz com que muitos crentes sejam apaixonados pelos EUA e por Israel, e faz dos evangélicos (generalizando, é claro) enorme massa de manobra de 25 milhões de brasileiros.

17.2.03

E, é claro, que a maior potência da terra, o maior império da história, na sua pequenez, do tamanho de George W. Bush, sabe como ninguém usar esse argumento de autoridade.

Por isso, uma placa em Nova York, sábado, perguntava aos americanos por que será que o mundo inteiro está contra o latrocínio de Bush.

O que significa argumento de autoridade? Bem, até ontem imaginava que isso seria a citação, por exemplo, em um trabalho científico, de um reconhecido especialista na área em questão.
Ontem percebi uma nova noção para o termo. Argumento de autoridade para mim passou a significar a defesa intransigente de uma posição indefensável, por parte de uma pessoa que detenha certo nível de poder, simplesmente firmada em sua posição. Mesmo que os argumentos sejam falhos, e a pessoa revele intenso desconhecimento de causa, sua posição, seu status, confere à sua palavra condição de inegociável.
É a força dos fracos que detém poder.
Se você parte para um diálogo com gente assim com argumentações firmes, conexas, embasadas, essa gente simplesmente aumenta o volume da voz, subjuga sua fala, se porta a fim de demonstrar para você o seu lugar e cala você.
Às vezes será o pai, que ainda assim jurará amor a você, mas não conseguirá manter o diálogo. Às vezes o governante, que nesse caso é capaz de usar a força policial para submeter você. Às vezes será o pastor, que procurará fazer uso de contemporização, levando sempre em conta que o menos importante é sempre capaz de suportar os maiores baques (afinal, já leva porrada sempre). Enfim, essa situação discricionária somente vem confirma a tese de Althusser, de que esses elementos não passam de Aparelhos Ideológicos.
A ideologia tem vencido qualquer utopia porque os detentores dos carismas (da liderança) têm se acostumado a lidar com gente passiva. Mas essa é a fraqueza do sistema. A revolta dos subalternos é sempre inesperada. E ela virá. E Deus será seu promotor e agente principal.

Sobre a Egüinha Pocotó, até deus se dignou a falar.

Hoje comecei minha primeira experiência de mestrado em teologia. Talvez tenha durado muito pouco.

16.2.03

Para o Vinícius, meu agradecimento pela visita. E não é patrulhamento não. É que acho que faz parte de meu chamado ser uma espécie de mosca na sopa, crítico e incendiário.

Breves reflexões dominicais


1. Como eu poderia declarar a Deus que Ele é livre? (Segundo música ouvida na rádio)

2. A melhor definição da Guerra de Bush foi dada ontem por um estudante na televisão: Latrocínio, ou seja, matar para roubar.

3. O panorama internacional mudou muito nos últimos anos. Quem diria há alguns anos que países latino-americanos (Brasil) e da Europa ocidental (França, Alemanha, Itália e Bélgica, por exemplo), se oporiam claramente à alguma ação norte-americana?

4. Se esses países tiverem marra e quiserem evitar realmente a Guerra, é só boicotarem economicamente os americanos.

5. Um recado de Deus para George W. Bush:
Venham! Vejam as obras do Senhor, seus efeitos estarrecedores na terra.
Ele dá fim às guerras até os confins da terra;
quebra o arco e despedaça a lança;
destrói os escudos com fogo.
Parem de lutar! Saibam que eu sou Deus! Serei exaltado entre as nações,
serei exaltado na terra.

Salmo 46. 9 – 10