24.10.05

Tudo bem, o não ganhou em um pleito democrático. Mas subjazem pelo menos três questões que apenas serão melhor avaliadas e percebidas, pelo senso comum, após o transcurso de um tempo de distanciamento histórico.
Primeira questão fundamental diz respeito ao tipo de propaganda, até subliminar, que foi utilizada pela Frente do Não. Essa propaganda, de um ponto de vista puramente discursivo, se analisada, constatará, facilmente, a indução das pessoas às armas. Quero dizer: a campanha do não estimula uma corrida armamentista. Pessoas que jamais pensaram em ter armas agora vão querer - e já temos ouvido falar de casos concretos sobre isso -e vão terminar descobrindo que foram enganados pelo discurso do não. Por mais que queiram ter armas, não as vão poder ter legalmente. E, além disso, entre aqueles que as podem ter, o único resultado será o aumento do faturamento das empresas e do número de mortos por tolices no país. Nem quero pensar na frustração consequente desse gato comprado por lebre.
A segunda questão diz respeito a muitos pontos que fundamentaram o voto não. Pontos sabidamente inverídicos. As mentiras que minaram aos poucos a campanha do sim, quando expostas, podem envergonhar muitos daqueles que defenderam passionalmente o voto não. Nesse ponto, a campanha me lembrou a presidencial de 89, que, sem a facilidade de difusão da Internet, foi permeada pela exploração de preconceitos e fatos mentirosos acerca de Lula e do PT. A máscara começou a cair quando Collor, em seu primeiro ato de governo, confiscou poupanças e reteve dinheiro. O boato da campanha eleitoral dava conta que Lula faria isso. Era tarde demais. E a gente perceber muita gente notando, tarde demais, que votou fundamentado em mentiras. Tem uns exemplos bobos para corroborar, desde já, esse meu argumento. Por exemplo, circularam na Internet inúmeros e-mails apócrifos, alguns deles sabidamente produzidos pela NRA - traduzidos, sendo mais correto. Disseram que os totalitarismos promoveram desarmamentos, quando algumas das mais sólidas democracias do mundo impedem o acesso dos civis às armas, como Canadá e Japão. Disseram, em e-mails, que Luis Fernando Veríssimo e Denise Frossard eram pelo não, quando eles se colocaram pelo sim. Disseram que a Globo tinha interesse na proibição da venda de armas por estar se associando à Glock no Brasil. Esse último era ridículo: se fosse verdade, a Globo estaria dando um tiro no pé, por instalar uma fábrica que não poderia vender nada para ninguém - ou esqueceram que o comércio estaria proibido? O blog/site Cocadaboa inventou um traficante de mentira, Xanxim, que terminou virando celebridade ao defender o voto sim. Alguns jornalistas atestaram a veracidade da fita que gravou a entrevista de um sujeito que jamais existiu de verdade! Quando todas as mentiras forem expostas, uma parte dos desinformados e manipulados eleitores que votaram não, se quedarão frutrados. O elenco de mentiras e desinformação, que foram elevados à categoria de verdade, por edições capciosas como as da Revista Veja - que paga um milhão de reais em aluguel à família Birmann, proprietária da CBC, única fábrica de munição do país - precisa ser esclarecido pela mídia séria nos próximos meses. Essa é uma responsabilidade que os jornalistas têm com o povo. Que inclusive precisa entender que nada muda no Estatuto do Desarmamento, ao contrário do que muitos pensaram ao votar. Só um artigo caiu.
Mas aí entra a terceira questão. Casuisticamente, os reacionários da Frente do Não, como o acusado de participar de grupo de extermínio no DF, Alberto Fraga, agora vieram à televisão defendendo mudanças na lei. Isso não pode prevalecer. As pessoas sérias desse país não podem permitir que algo dessa natureza venha a ser proposto ou conseguido, sob pena de atrasarmos uma das leis de controle de armas e munições mais modernas do planeta.
A história dará o crédito da razão a quem ele for devido. Mas a luta deve continuar.