2.8.03

E esse texto, publicado em 26 de janeiro, tem tonalidade profética:

De que me adianta ler um livro se ele n?o me provocar nada? Em outras palavras: é l?cito ler um livro s? por lê-lo, sem ser desafiado por ele, sem procurar aplic?-lo à sua vida?
Pensando nisso, voltei meus olhos à minha leitura de “O desespero humano”, de Kierkegaard, e passei a meditar no que estava lendo, no que me dizia respeito aquilo. E eis o resultado:
Passamos a maior parte dos nossos dias na inconsciência de n?s mesmos. Vivemos uma vida, digamos, “robotizada”. O cotidiano nos domina com sua repetiç?o.
No âmbito mais ?ntimo, n?o nos preocupamos muito com qualquer n?vel de reflex?o. N?s, simplesmente, n?o possu?mos EU. E, por mais religiosos que sejamos, nossos ritos n?o est?o nos levando ao abandono ao Infinito, ?nica chance de adquirirmos a consciência do eu.
Esse é o padr?o do mundo.
E a?, quando começamos a descobrir novas maneiras de nos relacionarmos com Deus (em nosso interior), passamos a ter um novo relacionamento conosco em busca de um eu. E é incr?vel que, na pr?tica, a autoconsciência do eu nos leva ao conhecimento real do desespero. Mas se queremos vida real, o desespero n?o nos pode nos assustar, devemos nos lançar a Deus e descobrir nosso eu.
De algum tempo para c?, esse processo est? se desenvolvendo em mim. E, por isso, o mundo exterior tem me pressionado a n?o ser eu.
? incr?vel. Quanto mais eu busco a consciência do eu, menos conforme ao padr?o exterior eu me encontro. Dessa maneira, a exterioridade me pressiona a que me adapte, esqueça essa idéia de eu, continue na inconsciência plena de vida de antes, robotizado, automatizado.
No meu caso, o processo tem gerado intensos conflitos de inadaptabilidade. ? que “eu n?o caibo mais nas roupas que cabia”. Ser eu, em um mundo que n?o aceita isso, é doloroso. E essa dor da press?o exterior se soma ao desespero que é descoberto quanto mais perto se chega do eu.
Isso me faz pensar em “Matrix”. Alguma coisa dentro de Neo e o dos outros os levava à d?vida. Kierkegaard chamou esse sentimento de desespero. Nem todos se apercebiam dele. Nem todos se apercebiam da Matrix. mas alguns chegaram ao desespero, à consciência do eu, escolheram a p?lula certa.
O senso comum se conforma à frase (cl?ssica) do filme (e que reaparece em “Swordfish”): “A ignorância é uma bênç?o”. Nesse sentido, Kierkegaard cita Shakespeare: “Maldito sejas, primo, porque me desviaste daquele doce caminho em que eu estava em pleno desespero!”. Mesmo que uma vida assim n?o possa ser chamada de vida, mesmo que ela doa, prefere-se isso ao desafio da autoconsciência, porque essa autoconsciência pode nos causar dor.
E a? os que adquiriam a autoconsciência eram rejeitados pelo sistema, pela Matrix. Eram condenados. Tornavam-se lixo. Os inadapt?veis devem morrer. S?o perseguidos pelos Agentes do sistema.
? preciso ter coragem para buscar a autoconsciência.
E sabe que “Matrix” tem uma met?fora fascinante? (H? claras referências b?blicas, como o nome da cidade dos humanos da resistência: Si?o). Neo é o Messias. ? a met?fora do Cristo. E o que aconteceu com Jesus vemos metaforicamente em Neo. O mais inadapt?vel dos homens, mas a sua ?nica esperança (isso lembra o Servo sofredor de Isa?as). Despercebido pela maioria. Termina sendo morto pelo sistema, mas ressuscita para destruir o sistema. Para redimir e libertar a humanidade!
Para vencer o sistema, junte-se a Jesus. Ele o vai destruir. Essa é a esperança crist?.
Como na Matrix, os que buscam a autoconsciência do eu s?o descartados pelo sistema. Mas, antes disso, o sistema de inconsciência à nossa volta tentar? nos acomodar, adaptar a todo custo. A?, vir?o conflitos inevit?veis.
Mas, ainda assim, eu prefiro est? ao lado dos inadapt?veis.
E você?


O texto abaixo, publicado em 25 de janeiro, é um dos que me levam ao Conselho:

Mais um texto b?blico nos revela o Deus das revoluç?es:
“Deus derrama desprezo sobre os nobres e os faz vagar num deserto sem caminhos. Mas tira os pobres da miséria e aumenta as suas fam?lias como rebanhos.” (Salmo 107 41 – 42).
As nossas igrejas de mentalidade burguesa precisavam prestar mais atenç?o para textos como esse. E promover a revoluç?o, n?o o status quo. Mas parece cada vez mais dif?cil, se nossos l?deres adoram trocar de carr?es todos os anos e brigar na igreja por besteiras sem fim.


Bom, terça-feira vou à reunião do Conselho da igreja. Responder entre outras coisas pelas minhas utópicas idéias que registro neste blog. O pastor descobriu e agora quer que eu me explique (ou quer me disciplinar mesmo).

Mas não entendo porque ele se surpreendeu tanto com o conteúdo de meus textos. Eu e minha mãe já o havíamos prevenido sobre. Talvez ele esteja juntando à raiva originada pelos problemas do fim da campanha do Grupo Rede com o que eu penso e escrevo teologicamente.

Mas talvez eu seja realmente um incompetente, arrogante, que se acha capaz de escrever e pensar criticamente sobre as coisas, mas não sabe de nada.

Ou talvez eu esteja personificando o objeto do trabalho que estou produzindo, que entitulei: O nascimento de subversivos e hereges: Uma análise do discurso protestante brasileiro.

Além disso, o conteúdo de um e-mail, bastante franco mas jamais desrespeitoso, que escrevi para o pastor e uma frase que não disse e atribuíram a mim devem ser questões dessa reunião.

Talvez tudo isso não passe de fumaça ideológica para esconder as verdadeiras intenções dos corações (que Deus conhece). Ou então a Igreja em que estou vai me provar o significado do discurso autoritário e religioso, segundo estou estudando com os textos de Eni Puccinelli Orlandi. Não se poderia assim discordar da cúpula nem muito menos criticá-la.

Mas acho que o pano de fundo é pessoal do pastor comigo. Todo o resto é pirotecnia...

Que o Deus das Revoluções me ajude!

Que todo o mundo que ora por mim esteja comigo (em oração) naquele momento!

28.7.03

E amigo Filho de Deus... Não sou mentalmente desequilibrado... Somente falei com a minha namorada, entendeu? Um brincadeira com ela, tá certo? Com ela, não com você...

Agora, o que penso revolucionariamente pode me trazer mais problemas na igreja.

Mas não temo perder nada em função do que penso e digo. Amo o meu Senhor e creio nele como o Deus da Revolução. Tenho a consciência tranquila, mas estou triste por tudo o que me pressiona.

Mas Deus é fiel, como me disse Hermany. Eu me agarro ao sonho da minha utopia revolucionária.

Estive fora do ar algumas semanas. Nossa igreja recebeu um grupo velho amigo meu para uma campanha de relacionamentos e evangelismo de duas semanas. Vindos de Goiânia, a galera do Grupo Rede em Ação realmente impactou a vida de todos, como já havia feito comigo ano passado. Deixou-nos a todos órfãos.

Um dos melhores momentos da campanha foi a primeira ida à praia. Três dos participantes nunca haviam visto o mar. Um deles, Oleandro, chorou emocionado e nos emocionou a todos ao se deparar com a visão de Ponta Negra pela janela do ônibus.

Para marcar meu retorno, ainda que ins?pido, um texto dela:

Hoje passou o show de Truman na Globo. Esses caras parecem malucos: naum sabem o perigo que correm exibindo esse tipo de filme. Mas, pensando bem... desde que, logo em seguida, exibam aquela merda de Agora é que saum elas... é, risco nenhum.

Mas teve umas coisinhas do filme que me lebraram muito Moriyon e Paulo Freire. O Cristof (Ed Harris é muito feioso, velho...), quando discute pelo telefone com a Silvya, diz a ela que Truman naum se liberta porque n?o quer. Que se ele naum havia saido até entao era porque ele "prefere a cela". Truman, segunda a vis?o de Cristof, tem medo da liberdade.

N?s também temos medo da liberdade. N?s também somos reféns de uma corporaç?o, presos a ela, t?o absorvidos que n?o conseguimos suportar a mais leve possibilidade de elimin?-la. Isso porque, povo, liberdade n?o é presente: é conquista. Liberdade custa caro. Liberdade custa vidas, custa bem-estar, custa familia, custa "amigos", custa emprego, estabilidade... E eu falo aqui de muitas prisoes. Mas o velho PF especifica uma:

O "medo da liberdade", de que se fazem objeto os oprimidos, medo da liberdade que tanto pode conduzi-los a pretender ser opressores também, quanto pode mante-los atados ao status de oprimidos, é outro aspecto que merece igualmente nossa reflexao.
(...)
Este medo da liberdade também se instala nos opressores, mas, obviamente, de maneira diferente. Nos oprimidos, o medo da liberdade é o medo de assumi-la. Nos opressores é o medo de perder a "liberdade" de oprimir.


Ser prisioneiro naum eh boa coisa. Mas ser livre também pode naum ser. Lembram de Cypher, de Matrix 1? Ele experimentou a liberdade e naum curtiu. Pra ele, era melhor estar confortavel numa prisao do que estar fora dela comendo mingau e desejando uma mulher que n?o o desejava. Opç?o dele. Mas ele esteve dos dois lados antes de decidir. N?o posso me acomodar antes de saber como eh o outro lado.

"Tudo eh uma questao de escolha", citando Reloaded. Enquanto for mesmo, tudo otimo. Particularmente, a natureza mostruosa do que fizeram a Truman naum estava no mundo de fantasia em si, mas no fato de que ele naum teve escolha. Ele foi o bonequinho preferido do mundo por toda a sua vida e naum sabia. E o discurso de Cristof no final? Comovente, naum? E se o mundo além das fronteiras de Seaheaven fosse como o mundo destru?do de Matrix ou Waterworld? Naum seria melhor permanecer na redoma?

Naum sei.

Mas como eh que Truman saberia se continuasse a temer a pr?pria libertacao?