Minha primeira opinião
3.4.04
[Ainda no Rio] Os dias correndo e as notícias chegando, nada esperançosas. Eu, agulha no palheiro da cidade grande, rumo incerto, "olhando de lado" e sabendo: voltar agora não seria jamais "uma forma de renascer". Lembrando Gide: "Ensina-me os caminhos de ir". Amigos presos, amigos mortos - nos enfrentamentos de rua ou nas masmorras da Ditadura. Cartazes em toda parte: "Procura-se". Muitos rostos conhecidos e eu me sentindo um deles.
...
[Após a fulga para o Uruguai, para onde foi disfarçado de torcedor do Palmeiras, encontra-se com Djalma Maranhão em um café em Montevidéu e pede-lhe ajuda] Na verdade, Djalma Maranhão queria ficar a sós comigo. Era um conterrâneo que chegava, era um pedaço de Natal, um naco de carne de sol, uma mochila de feijão verde, um litro de água do mar da Redinha. E disso é que Djalma precisava naquela cidade fria e cinzenta de Montevidéu. O ex-prefeito me levou com ele até uma pequena casa de câmbio, onde defendia alguns trocados "para ajudar no aluguel". Também fazia distribuição de jornais, como forma de auxiliar nas despesas. Ou seja: eram grandes as dificuldades econômicas por que passava o implantador do revolucionário método "De pés no chão também se aprende a ler".
Djalma Maranhão era o prefeito de Natal à época do Golpe. Seu governo formava-se a partir de uma aliança de forças populares e de esquerda. Foi enxotado do Palácio Felipe Camarão (sede do executivo municipal), na noite do dia 1º de abril de 1964, aos gritos de "Acabou a baderna! Pra fora, bando de comunistas filhos da *". Morreu no exílio uruguaio, de saudades de sua terra, segundo meu pai.
No início dos anos 60, Paulo Freire escolheu o Rio Grande do Norte para implantar o método "De pé no chão também se aprende a ler". Além de Natal, o método foi implantado também em Angicos, no interior do estado. Paulo Freire é o pai da Pedagogia do Oprimido, que mudou radicalmente as concepções de educação, não só no Brasil.
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[Após a fulga para o Uruguai, para onde foi disfarçado de torcedor do Palmeiras, encontra-se com Djalma Maranhão em um café em Montevidéu e pede-lhe ajuda] Na verdade, Djalma Maranhão queria ficar a sós comigo. Era um conterrâneo que chegava, era um pedaço de Natal, um naco de carne de sol, uma mochila de feijão verde, um litro de água do mar da Redinha. E disso é que Djalma precisava naquela cidade fria e cinzenta de Montevidéu. O ex-prefeito me levou com ele até uma pequena casa de câmbio, onde defendia alguns trocados "para ajudar no aluguel". Também fazia distribuição de jornais, como forma de auxiliar nas despesas. Ou seja: eram grandes as dificuldades econômicas por que passava o implantador do revolucionário método "De pés no chão também se aprende a ler".
Djalma Maranhão era o prefeito de Natal à época do Golpe. Seu governo formava-se a partir de uma aliança de forças populares e de esquerda. Foi enxotado do Palácio Felipe Camarão (sede do executivo municipal), na noite do dia 1º de abril de 1964, aos gritos de "Acabou a baderna! Pra fora, bando de comunistas filhos da *". Morreu no exílio uruguaio, de saudades de sua terra, segundo meu pai.
No início dos anos 60, Paulo Freire escolheu o Rio Grande do Norte para implantar o método "De pé no chão também se aprende a ler". Além de Natal, o método foi implantado também em Angicos, no interior do estado. Paulo Freire é o pai da Pedagogia do Oprimido, que mudou radicalmente as concepções de educação, não só no Brasil.
Como prometi, vou tentar selecionar uns trechos dos artigos de meu pai que estão sendo publicados em referência aos 40 anos do Golpe Militar pelo Diário de Natal:
Encontrei sequestradores que, na calada da noite, me puseram óculos de borracha, algemas e me levaram para o circo de horrores do DOI-CODI, em Recife, onde os gritos dos torturados sucumbiam ante o som alto, alegre e estridente dos rádios, executando "Eu te amo, meu Brasil, eu te amo".
...
[No Rio de Janeiro, clandestino] Os dias passando, dinheiro acabando. (...) Já "nas últimas", tomei um ônibus na Praça 15. Destino: Cordovil, bairro distante, onde morava o meu querido tio Chico, irmão de meu pai. Tão querido e solidário que, depois lhe contar tudo e pedir abrigo, "por uns poucos dias", ele respondeu:
- Lamento muito, meu filho, mas eu não quero me envolver com essas coisas de subversão. Vá embora e Deus lhe abençoe.
Com fome, com raiva, quase sem dinheiro qualquer, mandei meu querido tio enfiar sua bênção em lugar impróprio e subi a rua Aragão Gesteira com gosto de morte e horror na boca.
Encontrei sequestradores que, na calada da noite, me puseram óculos de borracha, algemas e me levaram para o circo de horrores do DOI-CODI, em Recife, onde os gritos dos torturados sucumbiam ante o som alto, alegre e estridente dos rádios, executando "Eu te amo, meu Brasil, eu te amo".
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[No Rio de Janeiro, clandestino] Os dias passando, dinheiro acabando. (...) Já "nas últimas", tomei um ônibus na Praça 15. Destino: Cordovil, bairro distante, onde morava o meu querido tio Chico, irmão de meu pai. Tão querido e solidário que, depois lhe contar tudo e pedir abrigo, "por uns poucos dias", ele respondeu:
- Lamento muito, meu filho, mas eu não quero me envolver com essas coisas de subversão. Vá embora e Deus lhe abençoe.
Com fome, com raiva, quase sem dinheiro qualquer, mandei meu querido tio enfiar sua bênção em lugar impróprio e subi a rua Aragão Gesteira com gosto de morte e horror na boca.
2.4.04
Eu quero agradecer mesmo a Bruno, Rafael, Daiany e Endora pelos comentários no meu texto em homenagem a meu pai e referência ao Golpe de 64.
Daiany me falou que o Diário de Natal está publicando desde ontem até a próxima quinta-feira um texto que meu pai pretendia estender e transformar em livro. Seu testemunho dos anos de chumbo.
Li a primeira parte agora a pouco, publicada ontem. Ele escrevia com muita clareza. Apenas temo agora que pareça que meu artigo de amanhã no Jornal União seja caroneiro. Mas vocês que me lêem aqui sabem que eu o escrevi e publiquei antes de conhecer a homenagem do Diário.
Se eu conseguir, prometo transcrever aqui pelo menos trechos do texto de meu pai.
Daiany me falou que o Diário de Natal está publicando desde ontem até a próxima quinta-feira um texto que meu pai pretendia estender e transformar em livro. Seu testemunho dos anos de chumbo.
Li a primeira parte agora a pouco, publicada ontem. Ele escrevia com muita clareza. Apenas temo agora que pareça que meu artigo de amanhã no Jornal União seja caroneiro. Mas vocês que me lêem aqui sabem que eu o escrevi e publiquei antes de conhecer a homenagem do Diário.
Se eu conseguir, prometo transcrever aqui pelo menos trechos do texto de meu pai.
Não sei mais o que fazer. Tenho recebido e-mails de provedores informando que estou enviando correspondências contaminadas por vírus para endereços que desconheço. Só esta semana já atualizei o Anti-Vírus duas vezes e fiz uma varredura completa três. Alguém pode me explicar o que está acontecendo?
Mas eu também cometi uma burrice. Recebi um pretenso cartão on-line do Bol. Abri. Ocorreu um defeito no download (download em um cartão virtual eu nunca tinha visto). Fui chegar o endereço. O endereço que, pretensamente, me levava ao Bol, era sueco...
Será que contaminei minha máquina? Mais uma varredura completa, nada detectado. Mas um medo danado de desligar o computador.
Mas eu também cometi uma burrice. Recebi um pretenso cartão on-line do Bol. Abri. Ocorreu um defeito no download (download em um cartão virtual eu nunca tinha visto). Fui chegar o endereço. O endereço que, pretensamente, me levava ao Bol, era sueco...
Será que contaminei minha máquina? Mais uma varredura completa, nada detectado. Mas um medo danado de desligar o computador.
31.3.04
Eu queria fazer uma pauta para o Jornal União lembrando os 40 anos do Golpe Militar. Não consegui, mas vou desabafar na próxima edição:
Um desabafo nas trevas
Este texto é muito pessoal. É um desabafo. Tentei, como editor do Jornal União, de toda forma, fazer uma pauta que cobrisse os 40 anos do Golpe de 64, acontecidos esta semana. Trinta e um de março ou primeiro de abril? Isso não importava. De todo jeito, não foi possível.
Queria tornar conhecida à minha geração a brutalidade daquela ação militar. Queria rememorar aos que viveram tudo, o que naquele tempo ocorreu. Inquietei-me para que isso se concretizasse. Não foi possível e agora acredito que Deus possa ter construído a oportunidade de que minha referência ao Golpe saísse do fundo da alma.
Perguntei-me, quase como um eco, o porquê disso ser tão importante e precioso para mim. Ano passado pautamos o AI-5. E eu queria relembrar o período de vitória das trevas sobre esta nação. E não entendia porque isso é tão forte em mim: o desejo de que o Brasil não esqueça a crueza de seu passado. E me lembrei que essa história corre no meu sangue. Sou filho da clandestinidade, do amor pela Revolução de um homem de lutas que sofreu por seu amor nos porões do DOI-CODI.
O DOI-CODI é elemento fundador na minha vida. A minha genética se inicia ali. Rubens Lemos era o meu pai. Não oficial, como não oficial foi grande parte de sua vida e sua luta nos anos das trevas. Mas ele estava presente em cada ponto da minha caminhada, muito mais como um mito, um ídolo, um formador de minha intelectualidade, do que simplesmente como meu pai. Eu sei que o seu amor pela Revolução e as marcas da tortura na sua alma geraram a maneira pela qual o DNA do homem de lutas entrou em minha composição.
Esse é um texto pessoal. Um desabafo para recordar os 40 anos de uma história inglória. Financiada pelos interesses dos EUA a fim de calar e subverter a sociedade desse país, o povo e suas lutas e gerar uma situação da qual ainda hoje temos resquícios.
Esse é um desabafo para homenagear os heróis da resistência e os mártires da luta pela liberdade. E para que essa geração atual não se deixe jamais surpreender por qualquer golpe que lhe roube a luz do sol.
Esse é um desabafo para homenagear aquele que foi vencido em suas lutas há quase cinco anos. Mas que viveu a plenitude dos seus sonhos. Alguém a quem a Igreja não teve muito tempo em suas fileiras, mas que se tranqüilizava, apesar do comunismo ateu, ao som de
Com Tua mão segura bem a minha,
pois eu tão frágil sou, ó Salvador,
que não me atrevo a dar jamais um passo
sem Teu amparo, meu Jesus, Senhor!
Alguém que me formou, à distância e talvez sem saber, como jornalista e sonhador. Uma homenagem a uma das inúmeras vítimas do Regime que começou há 40 anos e durou duas décadas: Rubens Lemos, meu pai.
Um desabafo nas trevas
Este texto é muito pessoal. É um desabafo. Tentei, como editor do Jornal União, de toda forma, fazer uma pauta que cobrisse os 40 anos do Golpe de 64, acontecidos esta semana. Trinta e um de março ou primeiro de abril? Isso não importava. De todo jeito, não foi possível.
Queria tornar conhecida à minha geração a brutalidade daquela ação militar. Queria rememorar aos que viveram tudo, o que naquele tempo ocorreu. Inquietei-me para que isso se concretizasse. Não foi possível e agora acredito que Deus possa ter construído a oportunidade de que minha referência ao Golpe saísse do fundo da alma.
Perguntei-me, quase como um eco, o porquê disso ser tão importante e precioso para mim. Ano passado pautamos o AI-5. E eu queria relembrar o período de vitória das trevas sobre esta nação. E não entendia porque isso é tão forte em mim: o desejo de que o Brasil não esqueça a crueza de seu passado. E me lembrei que essa história corre no meu sangue. Sou filho da clandestinidade, do amor pela Revolução de um homem de lutas que sofreu por seu amor nos porões do DOI-CODI.
O DOI-CODI é elemento fundador na minha vida. A minha genética se inicia ali. Rubens Lemos era o meu pai. Não oficial, como não oficial foi grande parte de sua vida e sua luta nos anos das trevas. Mas ele estava presente em cada ponto da minha caminhada, muito mais como um mito, um ídolo, um formador de minha intelectualidade, do que simplesmente como meu pai. Eu sei que o seu amor pela Revolução e as marcas da tortura na sua alma geraram a maneira pela qual o DNA do homem de lutas entrou em minha composição.
Esse é um texto pessoal. Um desabafo para recordar os 40 anos de uma história inglória. Financiada pelos interesses dos EUA a fim de calar e subverter a sociedade desse país, o povo e suas lutas e gerar uma situação da qual ainda hoje temos resquícios.
Esse é um desabafo para homenagear os heróis da resistência e os mártires da luta pela liberdade. E para que essa geração atual não se deixe jamais surpreender por qualquer golpe que lhe roube a luz do sol.
Esse é um desabafo para homenagear aquele que foi vencido em suas lutas há quase cinco anos. Mas que viveu a plenitude dos seus sonhos. Alguém a quem a Igreja não teve muito tempo em suas fileiras, mas que se tranqüilizava, apesar do comunismo ateu, ao som de
Com Tua mão segura bem a minha,
pois eu tão frágil sou, ó Salvador,
que não me atrevo a dar jamais um passo
sem Teu amparo, meu Jesus, Senhor!
Alguém que me formou, à distância e talvez sem saber, como jornalista e sonhador. Uma homenagem a uma das inúmeras vítimas do Regime que começou há 40 anos e durou duas décadas: Rubens Lemos, meu pai.
30.3.04
foi um assalto
a mando de quem
dormia
inesperado, então,
me vi, finalmente,
amando quem
já partia
fonte doce de
meu amor
alvo digno
de todo amor
cá eu,
ridículo,
amando
Amanda.
a mando de quem
dormia
inesperado, então,
me vi, finalmente,
amando quem
já partia
fonte doce de
meu amor
alvo digno
de todo amor
cá eu,
ridículo,
amando
Amanda.
29.3.04
Pois é. Acabo de receber o resultado da seleção de mestrado em Lingüística Aplicada da UFRN. Pela graça de Deus, fiquei com nota 8,3 em 5º lugar. O tema de meu projeto Processos de intersubjetividade virtual na leitura de blogs: Um estudo sobre a interação entre produtor e leitor de textos na Internet.
Muitas vezes já disse e ainda vou dizer que acredito que uma nova vida pode surgir quando somos capazes de restaurar as mágoas e os resentimentos do passado. Minha família adoece cada dia devido àquilo que não é perdoado, das contas que não são zeradas, das dores lembradas, das mágoas revividas, do perdão negado. Eu só gostaria de poder não entrar nessa loucura espiral de aprisionamento e morte, de dor e doença, de guerra e tristeza.
Como há algum tempo eu não fazia, me escondi atrás das palavras. Disfarcei o que sentia em termos e construções complexas que fossem capazes de interpor nuvens entre os olhos de quem me vê e eu mesmo.
Escondi meu ser por trás de minhas palavras. Palavras construídas com a argamassa da ilusão, do engano, do esconderijo.
Não, eu não menti. Somente me protegi, protegi o ser que pulsa no mais recôndito de mim. Não menti. O que falei sentia e era verdade. Mas o que disse o fiz de tal forma que me escondi de mim mesmo e escondi o que havia de cada um e de você.
Escondi meu ser por trás de minhas palavras. Palavras construídas com a argamassa da ilusão, do engano, do esconderijo.
Não, eu não menti. Somente me protegi, protegi o ser que pulsa no mais recôndito de mim. Não menti. O que falei sentia e era verdade. Mas o que disse o fiz de tal forma que me escondi de mim mesmo e escondi o que havia de cada um e de você.
28.3.04
Escrevi um texto anteontem e mandei para Djalma, que o publicou em sua página. Leia aqui, na seção de artigos, o entitulado Avivamento ou fingimento, e comente o que você acha.