26.9.08

No blog Substantivo Plural teve lugar uma discussão sobre academia e leitura. Acabo de enviar o comentário que copio abaixo:

Acho que um assunto que posso meter o bedelho. Afinal, fiz mestrado e estou fazendo doutorado, e pesquisei justamente a tal da leitura.
Em primeiro lugar, acho que houve um pequena-grande confusão. Acadêmicos não escrevem literatura, escrevem ciência. E ciência não é formadora de leitores proficientes, a não ser nas suas respectivas áreas. Por exemplo, é por isso que quando se faz um exame de proficiência de leitura em língua estrangeira, o tema do texto que é dado para os alunos interpretarem sempre é da área de conhecimento do candidato. Assim, um mestrando/doutorando em lingüística terá um texto em inglês de lingüística para ler, alguém que esteja na física terá um texto de física. Desse modo, o bom desempenho de uma prova assim mostra o que as teorias da leitura afirmam: que o bom leitor utiliza-se do texto e de seu conhecimento de mundo para construir sentidos de texto.
Há um outro pequeno preconceito envolvendo a discussão. Rodrigo Levino, Alexis Peixoto poderão se lembrar de uma parte de conversa que tivemos indo para Mossoró, para a Feira do Livro: não é verdade que o povo brasileiro não lê. Ele lê e lê muito, mostram todas as pesquisas. Só que não se lê o que o mercado editorial classifica como boa literatura. Não se lêem os clássicos, por exemplo, mas todas as pessoas letradas têm uma experiência profunda de leitura. A gente vai ter que descobrir, por exemplo, como lidar com os clássicos com o advento de novos suportes de leitura como a Internet. Mas não é verdade que não lemos. Nós nos deparamos com textos o tempo inteiro, e não só texto verbais e escritos.
A proficiência em leitura não é resultado de um processo isolado. Não é só responsabilidade da cultura, da família ou da escola. Aliás, a cultura não tem culpa nisso porque ela resulta de outros quesitos definidores, um pouco mais anteriores e profundos. A proficiência de leitura é resultado e se explica por um adequado letramento, ou letramentos. O importante não é nem a quantidade de textos que você leu, nem a qualidade, nem o formato, nem o tipo, nem o gênero. O importante é descobrir como uma leitura pode conduzir um leitor a ser menos ingênuo, mais crítico e, principalmente, mais sujeito na sociedade. A leitura que é boa leitura, em minha opinião modesta, é aquela que pode ajudar o indivíduo a se tornar um sujeito. E aí não importa se seja Joyce ou Fialho. Porque o fundamental é o sujeito ser ativo socialmente, capaz de interferir nas relações sociais e de poder que tomam parte.
O conhecimento acadêmico é um discurso. Como discurso tem seus limites. Você precisa se apossar de sua formação para compreendê-lo ou participar dele. Isso não faz de você melhor ou pior leitor. Do mesmo modo, o discurso acadêmico nem contribui positiva nem negativamente com a formação de leitor. Aliás, o acadêmico não precisa ser um bom escritor – nem bom professor. Ele precisa ser um bom pesquisador. É disso que se tratam os títulos de mestre e doutor. Por isso, tantos bons mestres/doutores não são bons professores.
Quer saber um caminho fundamental para mudar essa realidade? Educação para letramentos. E, nesse caso, uma educação que possibilidade aos estudantes participarem de práticas de letramento midiático, literário, visual; enfim, práticas de letramento ideológico. Ou, nas palavras de Paulo Freire, que possibilitem aos estudantes lerem o mundo para poderem ler as palavras. Quando isso ocorrer em escolas, na família, na sociedade, os estudantes estarão sendo formados sujeitos. Serão formados leitores que lerão o que realmente lhes interessa para contribuir na sua participação ativa como sujeitos sociais. Autônomos. Não lerão mais aquilo que nós do SP supomos que deveriam ler, nem seus professores, nem seus pais. Lerão aquilo que mudará suas vidas e contribuirá para a mudança de suas relações sociais. E nem sempre isso é o que eu e você pensamos. Deixemos a cada um suas escolhas de leitura.

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