10.3.04

Parece que está chegando ao Brasil a polêmica suscitada pela Paixão de Cristo de Mel Gibson, especialmente no que diz respeito às acusações de anti-semitismo. Como alguém que não assistiu ao filme ainda, mas com base nos relatos da imprensa, acredito que a acusação esteja desfocada. Explico: o filme parece ser fiel aos evangelhos e eles, unânimes, põe a culpa nos judeus pela morte de Jesus. João é o mais explícito. Nos relatos do julgamento diante de Pilatos, no capítulo 19, é Jesus quem diz: aquele que me entregou ao senhor é culpado de um pecado maior (11). Para este evangelista, todos os inimigos religiosos do Cristo são chamados genericamente de os judeus, aqueles que O entregaram ao governador romano.
Em Mateus está o versículo que baseou toda perseguição que os cristãos perpetraram contra os judeus por séculos e séculos. A Inquisição e a perseguição por parte dos protestantes beberam daí. No capítulo 27, Pilatos lava as mãos e diz que não é responsável pela morte do Filho de Deus, ao que a multidão responde: Que o castigo por esta morte caia sobre nós e sobre os nossos filhos! (25).
Dessa forma, me parece que as críticas estão dirigidas ao alvo errado. Os evangelistas, antes de Gibson, acusam os judeus pela morte do Messias. E foi com base nessas acusações que foi construída toda a ideologia de humilhação que o povo judeu sofreu nas nossas mãos.
É claro que há outras leituras a partir de textos assim, ainda que seja impossível isentar os autores da acusação de anti-semitismo. Primeiro, a generalização que João promove visa identificar a liderança do Sinédrio com todo o povo. Quando ele se refere aos judeus como adversários de Jesus fala daqueles que usufruem da estrutura de poder religioso da Palestina da época. São os líderes que manipulam o povo e sua fé.
Segundo, a multidão que clama pela crucificação é a mesma que poucos dias antes recebeu Jesus em Jerusalém como o Messias esperado, aos gritos de Hosana! Glória a Deus nas alturas! Bendito o que vem em nome do Senhor. Quer dizer, povo manipulado, incapaz de discernir a mão direita da mão esquerda. De um povo assim não se pode tomar a sério a súplica para que a culpa recaísse sobre eles e seus descendentes. Os líderes, de coração empedernido, foram os únicos verdadeiros culpados pela morte de Jesus.
Em terceiro, e por fim, ainda que admitamos a validade das acusações contra os judeus, elas se referem àqueles judeus das primeiras décadas do primeiro século da Era Cristã. Não poderíamos jamais, coerentemente, aplicá-las aos judeus de épocas posteriores.
Dessa maneira, contar essa história não pode significar reavivar sentimentos anti-semitas. Essa falácia só pode ser fruto dos ressentimentos e mágoas acumuladas pelos judeus por tantos e tantos séculos. As acusações, assim, contra Gibson e seu filme me parecem infundadas.

Raphael deixou a UTI em Goiânia na segunda-feira. E nos deixou estupefato pela ação graciosa de Deus em sua vida.