4.4.03

Amigos, sem muita condição ou sem ter muito o que dizer, somente lamento a morte de deus. Especialmente se a razão é o que o Marco alegou. Como crente que sou, sou capaz e disposto de criticar minha própria fé, a religião em que me inseri, os conceitos que defendo.
Por outro lado, me pergunto se estou fazendo o que é certo, se tudo o que disse, cri ou pensei não foram enormes e gritantes erros. A questão é se com essa minha fé eu não estou me afastando do Deus Verdadeiro que usa da Bíblia para se manifestar, se revelar. E mais do que isso, se essa fé não vai me afastar de quem eu amo e me deixar sozinho, isolado.
Isso porque agora meu discurso tem sido instigado a se tornar prática.

EU QUERO DIZER A QUEM QUISER OUVIR: EU AMO, COM AMOR DESVELADO E INCONSEQUENTE, A SACERDOTISA DO ABSURDO, PRISCILA!

3.4.03

Mais uma vez, colando o Leite de Pato, em um texto de Luís Fernando Veríssimo.

Represálias


Não concordo que haja o risco de represália dos Estados Unidos se o governo brasileiro insistir numa posição crítica em relação à invasão do Iraque, como andam dizendo. E se houver represália, o que pode nos acontecer? Um bombardeio de Brasília, desde que não seja entre terças e quintas, não afetará o funcionamento do Congresso, que não estará lá. O Executivo e o Judiciário também correm perigo mínimo: pouca gente sabe que o Niemeyer construiu boa parte dos edifícios de Brasília embaixo da terra já prevendo um eventual ataque americano. São poucas as probabilidades de o presidente ou sua família serem atingidos, a não ser que a Michelle fuja do abrigo e o Lula corra atrás dela. No Judiciário, os processos empilhados esperando julgamento agiriam como sacos de areia, dando proteção adicional aos juízes. E há sempre a esperança de os americanos bombardearem Buenos Aires.


Se o Donald Rumsfeld não decidir que as tropas terrestres devem invadir o Brasil pela Amazônia, onde o risco de tempestades de areia é mínimo, elas deverão desembarcar na Bahia, onde terão que avançar lentamente, respeitando as características locais, ou no Rio, onde enfrentarão o grosso do armamento pesado do nosso exército que, como se sabe, está todo na mão dos traficantes, sendo improvável que consigam passar do Complexo do Alemão. Se desembarcarem em Santos para atacar São Paulo, terão que enfrentar o engarrafamento na Bandeirantes. E apesar da informação que a CIA tem de descontentamento interno e oposição feroz ao regime instaurado no país, os americanos se iludem se pensam que poderão contar com adesão da Heloisa Helena e do Babá. E há o perigo de armadilhas. Avançando pela Barra da Tijuca, onde todos os letreiros e anúncios são em inglês, os soldados invasores podem ter a enganosa impressão de que estão em casa ou no mínimo que houve uma rendição antes mesmo do ataque, baixarem a sua guarda e serem emboscados pelo Batalhão de Elite Vera Loyola, furiosamente leal a Lula.


E se, mesmo assim, a invasão tiver sucesso e o regime for derrubado, devemos pensar no lado positivo da coisa: o país será totalmente reconstruído por empresas ligadas à Casa Branca, e quem pagará será o Tesouro americano. Finalmente teremos saneamento básico decente, etc. sem falar em marines com visão noturna patrulhando as ruas contra o crime. E não é demais lembrar que foi o general MacArthur, chefe das forças de ocupação, que impôs a reforma agrária no Japão com a decisão que tem faltado aos nossos governantes.


Por enquanto, no entanto, os americanos se limitam a nos atacar com agências internacionais de fragmentação sob o seu controle que subjugam nossa economia e tratados multinacionais teleguiados que eternizam nossa dependência, em represália a... Em represália a o que mesmo?


Deus está morto!

Daqui a um mês vou estar completando 24 anos. E voltei a pensar se serei sempre assim, incendiário e revolucionário, ou se algum dia me adequarei ao sistema. Eu espero nunca perder minha indignação, minha capacidade de revolta, minha inadequabilidade. Espero que a vida não me mostre que precisarei mudar as premissas de minha vida e eu me torne alguém que venha a dizer: Esqueçam o que pensei e escrevi.

Disse a alguém ontem que, mesmo engatinhando, já sei o caminho que vou trilhar, tanto teológica quanto intelectualmente. E esse blog é um grande responsável nessas tomadas de posturas.
Aliás é de postura que eu estou falando. Preciso adotar uma postura que diga algo da coerência com as coisas que penso e creio. Preciso agir assim, ainda que choque as pessoas.

Não me vejo com um rebelde sem causa. Quem já me lê há algum tempo, sabe que aqui eu defendi que o meu Deus, aquele que revoluciona tudo, não é de Ordem, mas da mais pura Desordem. Ele destrói tudo para refazer tudo. Ele transforma tudo. Ele exalta o humilde e abate o soberbo.

Minhas idéias estão translúcidas aqui. Nos últimos dois meses, esse blog tem sido o meu laboratório. As bases do que creio, penso e defendo estão aqui. Muitos concordam comigo e reconhecem algo de bíblico no que falo. Outros já me mandaram cair fora. Conheço uma meia dúzia de três ou quatro que me excomungaria se lesse o que escrevo. Mas quer saber? Eu não estou nem aí.

Sou radical. Posso, inclusive, no futuro, mudar muitas das minhas idéias. Mas serei radical nisso também. E, certamente, creio que o que penso é bíblico, mesmo que às vezes eu me veja pouco bíblico.

O curioso, para mim, das minhas idéias, é que elas não nasceram de outras leituras que não a Bíblia e teologia. É certo que elas catalisaram aquela angústia de revolta e indignação que sempre houve em mim. Elas deram base a essa vagas impressões e me levaram a uma descoberta de fundamentação bastante importante.

Não pretendo ser nenhum messias ou dono da verdade. Sou um miserável pecador, que às vezes se sente tão afastado de Deus que se pergunta se ainda há jeito. Mas não sou diferente de nenhum homem ou mulher que já tenha se encontrado com o nosso Deus, o Deus das revoluções: alguém que se reconhece como é e sabe que depende exclusivamente da misericórdia de Deus para se manter de pé e lutar as Suas Lutas. Lutas revolucionárias.

Amigos, sobre as fotos que a Al Jazeera tinha posto no ar, parece que quem viu, viu, quem não viu não vê mais. A pergunta que meu primo Fábio fez é se o dedo de Tio Sam está nisso.

2.4.03

A Al Jazeera colocou novas fotos no ar.

Isso eu trouxe do Persegonha, que já trouxe do blog0news:

Disseram-os que o exército iraquiano ficaria tão contente por ser atacado que não lutaria de volta. Um colega próximo ao Secretário de Defesa Donald Rumsfield previu que a marcha até Bagdá seria "um passeio no parque".
Disseram-nos que as tropas de Saddam se entregariam. Pouco dias antes da guerra o vice-presidente Dick Cheney previu que a Guarda Republicana deporia suas armas.
Disseram-nos que a população local receberia seus invasores como libertadores. Paul Wolfowitz, o numero 2 do Pentágono, prometeu que nossos tanques seriam saudados "com uma explosão de júbilo e alívio".
Pessoalmente eu gostaria de apresentar Rumsfield, Cheney e Wolfowitz como voluntários para serem "embutidos" junto das tropas na vanguarda do ataque.
Isto lhes daria uma chance de ouvirem o que as tropas que lutam por cada ponte sobre o Rio Eufrates pensam de suas promessas.
Robin Cook
Líder no parlamento inglês.
Renunciou ao cargo antes da guerra.


Resgatando MC Serginho e Lacraia

Divagando na leitura de Darcy Ribeiro, comecei a refletir sobre o fenômeno popular de MC Serginho e o escatológico Lacraia. E percebi que, no fim de tudo, eles devem ser as vítimas.

São vítimas de um sistema social, repleto de uma ideologia assimilacionista, que impede a progressão e crescimento no enorme contingente de negros, pobres e marginalizados do nosso país. Os ex-escravos, condenados a uma situação subalterna, têm poucas opções na vida.

Darcy Ribeiro relata que aos negros a sociedade só concede espaço em atividades que exijam pouca ou nenhuma instrução letrada. Por isso, as celebridades de cor são raras e estão sozinhas: Pelé, Grande Otelo, etc.. Alguns poucos intelectuais, que chamam mais atenção por serem exceções grandiosas do que porque se considere que tenham algo a acrescentar. Os políticos negros estão na mesma situação, especialmente se, além de negros, são mulheres, como Benedita.

Em um mundo assim construído o negro só pode se destacar e crescer quando for o inusitado. MC Serginho e Lacraia tinham duas opções diante do que o Brasil lhes ofereceu: a marginalidade ou o escatológico. Optaram pelo escatológico, que horroriza a classe dominante e apaixona a massa identificada.

O surgimento de um ser escatológico como Lacraia representa uma das poucas alternativas de triunfo cultural e social de uma classe, que vive humilhada a séculos. Que se confunde com a pobreza, opressão, falta de instrução e negritude. Ou seja, o próprio brasileiro.

Vocês já me viram aqui tecer elogios emocionados e agradecidos por descobrir que pessoas a quem eu tanto admiro costumam ler aqui as minhas loucuras. Eu me referi muito à Alice. Ontem eu disse que o Marco havia me visitado duas vezes. E olha só o que ele registrou em meus comentários: Só três??? *, venho aqui direto!

Fico extremamente feliz por saber que um cara tão louco, de texto tão pertinente e profundo, e de uma capacidade que tanto admiro, doa parte de seu tempo para ler as minhas bobagens. Obrigado Marco!

1.4.03

A Guerra é terrível. Você não precisa ler árabe para se chocar. Veja isso.

Muito bom o blog de Nahum Sirotsky, correspondente em Israel.

O Cannibal Café traz algumas reflexões muito interessantes para analisarmos. Não pretendo aqui repetir aquilo que a Sacerdotisa disse ali, analisando Maya, de Gaarder. Mas ali ela desenvolve idéias relacionadas ao Espírito Universal, o que me fez lembrar de minhas aulas de hermenêutica e também da teologia dialética.

A princípio, à idéia de Espírito Universal podemos contrapor a noção de sujeito como um universal. Não um sujeito, mas a certeza de que os entes racionais dessa existência são sujeitos que depreendem sua existência do Ser. Descartes, que é citado na epígrafe de 13º Andar, definiu a existência pelo raciocínio. Tendo se deparado com os questionamentos que também foram desenvolvidos pelo hinduísmo, entrou em desespero pela sua incapacidade de perceber-se como ser real.
Assim ele acaba por concluir que não há nada que seja real no universo, a não ser a própria capacidade de duvidar de tudo. A dúvida metódica. Daí ele conclui que se pensa, ele existe. Cogito, ergo sum.

A hermenêutica contemporânea, como uma postura que é acima de técnica ou ciência, afirma que não existe conhecimento objetivo. Apenas conhecimento intersubjetivo.

Isso ficaria mais claro sendo exemplificado na interpretação de um livro. Simplificando, ao lê-lo, você não pode depender de uma objetividade. Você dialoga com diversos atores nesse processo: o autor (o que se complica quando o texto está distante temporal e culturalmente de você), suas pré-noções e pré-juízos, a tradição cultural em que você se insere, você mesmo e seu conhecimento de mundo. A leitura é uma ação intersubjetiva, que não depende somente de você. É um diálogo, no entanto, em que o leitor participa ativamente, trazendo muito de si ao texto, à sua compreensão dele.

E isso, em maior ou menor grau, acontece com quaisquer outros conhecimentos científicos. E mesmo nas ciências exatas, em que as provas não podem ser subjetivadas, as perguntas e interesses que iniciam a pesquisa dependem diretamente do sujeito e de seus interesses. Mesmo aí, ainda que em menor grau, há uma dependência da subjetividade.

A outra coisa que o Cannibal Café me despertou foi uma lembrança da teologia de Barth e Bultmann (que não se bicavam, diga-se de passagem). Eles descobriram, mantendo algumas coisas do liberalismo teológico, que a fé se fundamenta em uma relação Eu-Tu.
A revelação de Deus se dá nessa relação e somente se torna real para mim se eu entrar em uma relação Eu-Tu com Deus.
Por isso, para Barth somente crentes poderiam fazer teologia, porque somente nessa relação de fé alguma coisa pode ser dita acerca de Deus e Sua Revelação. Deus não entrega os seus segredos a quem não O busca.

Darcy Ribeiro morreu antes que pudesse contemplar um sindicalista como presidente da República. Mas ele já dizia:
A única saída possível para essa estrutura autoperpetuante de opressão é o surgimento e a expansão do movimento operário. Nas cidades, ao contrário da roça, o operário sindicalizado já atua como um lutador livre diante do patrão, chegando a ser arrogante na apresentação de suas reivindicações. É por esse caminho que as instituições políticas podem aperfeiçoar-se, dando realidade funcional à República.

E o Marco Aurélio, segundo o Bravenet e o Nedstatics, esteve aqui. Duas vezes.

31.3.03

Há uma crítica que ainda quero desenvolver melhor, com mais calma. Dirige-se contra a defesa que muitos crentes gostam de fazer de que irmão vota em irmão . E geralmente essa teologia se fundamenta em textos do Antigo Testamento, referentes à escolha do rei por Israel. Alguém que deveria ser fiel a Ele, para que a nação pudesse ser abençoada.
Creio que não seja difícil entender essa transposição como ilegítima.
Israel era uma teocracia, cujo culto oficial era a religião de Javé. Aquele era um ambiente de absoluta intolerância religiosa, e a Bíblia nos diz que os que se desviassem de Javé, deveriam ser morto (exatamente como acusamos o Alcorão de ensinar aos muçulmanos).
Obviamente, o rei dessa teocracia, soberano absoluto sobre o país, deveria ser um fiel adepto da religião de Javé. O próprio AT, em diversos momentos, avalia o reinado de algum deles a partir de seu compromisso com Javé.
Transpor esses textos para a nossa realidade é ilegítimo, por algumas razões. Em primeiro lugar, não vivemos em uma teocracia, mas sim em uma democracia com Estado laico. Ou seja, o Brasil não tem religião. Nosso país afirma a liberdade religiosa que Israel negava em seu tempo.
Desse modo, os interesses sociais, da coletividade, nem sempre serão os interesses da religião. Isso é completamente o oposto do Israel bíblico, onde religião e Estado eram uma coisa só.
O uso desses argumentos na defesa de que o Brasil precisa ser governado por um crente desconsidera a mudança social e política que o tempo trouxe. Desconsidera a separação entre Estado e Igreja, a afirmação de direitos humanos, que incluem a liberdade religiosa, e o surgimento da democracia como pressuposto da vida político-social.
Um governo deve atender aos interesses mais prementes de uma sociedade. Assim, pode até ser composto por cristãos evangélicos, mas não por isso.
Creio que os critérios para a escolha de governantes deve passar longe da religião, mas muito perto dos pobres. Esses critérios devem ser, especialmente, a justiça e a paz social, promovida através da luta pela democracia social, o fim das desigualdades, a defesa dos pobres. Sim, dos mais pobres e subalternos na sociedade, porque os ricos já sabem se defender.
A participação política dos crentes deve se pautar na luta, hodiernamente, contra o neoliberalismo, maior construtor dos abismos sociais contemporâneos, que anseia por acabar com quaisquer ações sociais, socorro dos necessitados, pensando mais no lucro do que nas pessoas.
Dessa maneira, não acredito ter coerência bíblica outra opção a não ser a esquerda para o envolvimento dos crentes.
Penso que essa idéias ainda precisam ser melhor trabalhadas. Por isso, aceito e preciso de críticas.

Todos nós, brasileiros, somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados. Todos nós brasileiros somos, por igual, a mão possessa que os supliciou. A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se conjugaram para fazer de nós a gente sentida e sofrida que somos e a gente insensível e brutal, que também somos. Descendentes de escravos e senhores de escravos seremos sempre servos da malignidade destilada e instalada em nós, tanto pelo sentimento da dor intencionalmente produzida para doer mais, quanto pelo exercício da brutalidade sobre homens, sobre mulheres, sobre crianças convertidas em pasto de nossa fúria.

Darcy Ribeiro, O povo brasileiro

Hoje, para quem não sabe, completam-se 39 anos de um dos piores momentos de nossa história...

(tá bom que dizem que na verdade o Golpe foi dado em 1º de Abril, mas ninguém acreditaria...)

Meu amigo Valério, mestrando em Arquitetura na UnB, visitou este humilde blog. Espero que tenha apreciado esse espaço revolucionário.