25.6.05

Eterno

Eterno

 

Assim também Cristo foi oferecido uma só vez em sacrifício, para tirar os pecados de muitas pessoas.

Hebreus 9. 28.

 

No fim da minha infância foi publicado um seriado em quadrinhos cujo título era ?Crise nas infinitas terras?.  Contava uma história envolvendo diversos heróis da norte-americana DC Comics, liderados por Super-Homem, que enfrentavam uma ameaça terrível contra o nosso universo e diversos universos paralelos.  Lembro de uma cena em que o Super-Homem sobrevoa uma das terras completamente devastada.  O planeta se reduzira a rios de lava, tendo perdido qualquer vida, qualquer atmosfera.  Tinha acabado tudo.

Estava pensando nesta imagem outro dia.  Ela representava o fim de tudo.  E eu comecei a pensar sobre o que, realmente, é permanente e absoluto no mundo em que vivemos.  De outra maneira: comecei a pensar sobre o que restaria se tudo o mais fosse destruído?  O que restaria se todas as culturas sucumbissem?  Todas as línguas? Toda a ciência?  Enfim, se tudo fosse devastado e a humanidade tivesse que recomeçar, inventando novas línguas, nova cultura, criando tudo de novo, o que seria eterno?

Sei que minhas perguntas são filosóficas demais para serem perfeitamente compreendidas.  Mas podem ser apresentadas de outra forma: o que é eterno?  O que ficará se tudo o mais for destruído?  O que é, de verdade, um fundamento inabalável na história humana?

Acredito que só há uma coisa verdadeiramente permanente e eterna na história humana.  Uma única coisa que pode sobreviver às civilizações, às culturas, às ciências, aos tempos e às eras.  Assim também Cristo foi oferecido uma só vez em sacrifício, para tirar os pecados de muitas pessoas.  A única coisa eterna na história humana é Jesus e o Seu sacrifício para redimir a humanidade.

Se a humanidade precisasse se reinventar, o sacrifício de Cristo permaneceria inalterado.  Se tudo fosse criado de novo, a verdade de que o homem é pecador, precisa de perdão para ter uma relação com o Deus Eterno, e que o caminho que possibilita essa relação foi consumado na vida, morte e ressurreição de Jesus, esta verdade permaneceria. 

Sem sombra de dúvida, tudo pode passar, mas o amor de Deus revelado em Cristo Jesus permanece para sempre.  A misericórdia de Deus é eterna.  é de geração em geração.  Tudo pode acabar, mas Deus, Sua palavra e Seu amor não se acabarão.

Existem perguntas éticas fundamentais.  Questões que nos ajudariam a corrigir o rumo de nossas vidas, a colocar as coisas prioritárias em primeiro lugar, a conduzir os nossos passos para os caminhos que o Senhor tem estabelecido.  Uma dessas questões é pensar sobre o que realmente é eterno em nossas vidas.  O que realmente permanece ante todas as outras coisas.  Se respondermos coerentemente vamos entender que tudo o mais é importante em nossas vidas, tudo o que vivemos é necessário, mas nada é tão absoluto quanto o nosso compromisso com o Senhor e a experiência de vivermos a dimensão de Seu Amor, Seu sacrifício, Sua misericórdia e Seu perdão. 

O mundo pode ser devastado,como na série dos quadrinhos.  O nosso mundo partícula pode ser devastado.  Mas nada será destruidor demais para nós se lembrarmos que ainda podemos nos firmar na única coisa eterna da história humana: Assim também Cristo foi oferecido uma só vez em sacrifício, para tirar os pecados de muitas pessoas.

 

Daniel Dantas

Missionário da 1ª IPI do Natal

http://cavernadeadulao.blogspot.com

24.6.05

Últimas chances

Últimas chances

 

Cuidado!  O Senhor, o Deus Todo-Poderoso, vai tirar de Jerusalém e de Judá todo o sustento e todo o mantimento; não haverá nem comida nem água.

Isaías 3. 1.

 

Morro de medo de perder as últimas chances, de permitir que o tempo se esgote, de repentinamente perceber que é tarde para que qualquer mude ou se salve.  Acho que esse é um dos elementos que me atraem em 24 horas: a idéia de que toda hora é uma hora limite.  A noção de que as chances se esvaem e as possibilidades de transformação se acabam logo.

A relação de Deus com Seu povo sempre foi assim.  E eu sempre me sinto no limite da Sua graça e da Sua longanimidade.  Tantas vezes Deus estendeu as Suas mãos benevolentes para proteger e cuidar do Seu Povo.  E outras tantas vezes o povo Lhe virou as costas, abandonando a Fonte das Águas Vivas, preferindo toda cisterna rota, como denuncia o profeta Jeremias (Jr. 2. 13).

Vez após vez, Deus renovou a Sua graça.  Tenho medo de viver o tempo em que seja tarde demais para que a graça se renove.  Tenho medo de viver o tempo em que a única coisa que reste seja o juízo.  Juízo realizado sob a bandeira do Amor Eterno de Deus, mas, de todo jeito, juízo.

Já escrevi comparando os capítulos 18 e 19 de Jeremias.  No 18, Deus o manda ir à casa do oleiro e, observando como o homem pode recomeçar a fazer o vaso toda vez que comete um erro, Deus afirma ao profeta que ainda há tempo de restauração para o povo: Será que eu não posso fazer com o povo de Israel o mesmo que o oleiro faz com o barro?  Vocês estão nas minhas mãos assim como o barro está nas mãos do oleiro (Jr. 18. 6).  Aqui, ainda havia tempo para recomeçar, para restaurar.  No capítulo seguinte, a história muda de figura.  Jeremias é enviado a comprar um pote já feito e, diante da liderança do templo, quebrar o vaso: Como se quebra um pote, e ele não pode mais ser consertado, assim eu quebrarei este povo e esta cidade (Jr. 19. 11).  Desta vez, o tempo estava esgotado.  Não havia mais redenção possível, arrependimento, recomeço.  A cidade seria quebrada como o vaso que Jeremias quebrou.

Esta semana falei sobre Jesus chorando sobre Jerusalém.  O fim da cidade está próximo.  Jesus lhe anuncia o juízo, que não deixa de ser repleto de amor, ao ponto de que o Senhor chora: Ah! Jerusalém!  Se hoje mesmo você soubesse o que é preciso para conseguir a paz!  Mas agora você não pode ver isso.  Pois chegarão os dias em que os inimigos vão cercá-la com rampas de ataque, e vão rodeá-la, e apertá-la de todos os lados.  Eles destruirão completamente você e todos os seus moradores.  Não ficará uma pedra em cima da outra, porque você não reconheceu o tempo em que Deus veio para salvá-la (Lc. 19. 42 ? 44).

Tenho medo de viver em um tempo em que a única coisa que nos resta é o juízo.  Tenho medo de viver uma vida que, resoluta, só possa ser tratada por Deus de uma maneira dura e implacável, mesmo que cheia de amor.  Tenho medo de estar perdendo, ou de ver se perderem, as últimas chances de arrependimento e arrependimento.

Tenho medo de que palavras como essas se dirijam a mim ou a você: Cuidado!  O Senhor, o Deus Todo-Poderoso, vai tirar de Jerusalém e de Judá todo o sustento e todo o mantimento; não haverá nem comida nem água.  Ele vai tirar também todas as pessoas importantes: os homens corajosos e os soldados, os juízes e os profetas, os adivinhos e os sábios, os oficiais do exército e as autoridades civis, os conselheiros e todos os feiticeiros.  O Senhor escolherá meninos para governar o seu povo; o poder ficará nas mãos de crianças.  Todos perseguirão uns aos outros, cada um explorará o seu vizinho.  Os jovens não respeitarão os velhos, e gente que não vale nada desprezará pessoas honestas (Is. 3. 1 ? 5).  Tenho medo, porque segundo esse texto, crise na liderança, crise nos relacionamentos, e perda do sustento são sinais do juízo de Deus em curso contra o Seu povo.  E, às vezes, tem sido somente isso que a gente vê, olhando de um a outro lado.  Às vezes, por mais que busquemos o nosso sustento espiritual, o Pão do Céu ou Água da Vida, nos sentimos como esfomeados e sedentos no deserto.  Às vezes, tenho medo de que isso signifique que nosso tempo passou.  Tenho medo de estar sob o juízo amoroso de Deus.

Segundo o profeta, ainda, a causa da tragédia é bem conhecida e definida: Jerusalém está arrasada, a terra de Judá está em ruínas.  Pois com as suas palavras e as suas ações o povo desafia o Senhor e ofende a Sua gloriosa presença (Is. 3. 8).  Tenho medo de que estejamos ofendendo a santidade do Senhor, sendo injustos em nossa ações, desiguais em nossos tratamentos, e desavergonhados em nossos pecados (Is. 3. 9).  Tenho medo de ser um desses, porque diz o Senhor: Ai deles, pois estão trazendo sobre si mesmos o castigo da sua própria maldade! (Is. 3. 9).

Textos assim me desafiam a repensar a minha prática, pensar a nossa vivência diante de Deus, e me conduzem a clamar por misericórdia diante do Senhor.  Espero que ainda possamos nos prostrar ante Ele.  Espero que ainda encontremos espaço para arrependimento e restauração.  Espero que não tenhamos perdido as nossas últimas chances.  Examine o seu coração e se arrependa enquanto for tempo de encontrar o Deus gracioso.

 

Daniel Dantas

Missionário da 1ª IPI do Natal

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Hora das trevas

Hora das trevas

 

Não posso continuar a falar com vocês por muito tempo, pois está chegando aquele que manda neste mundo.

João 14. 30

 

Estava se aproximando a hora de Jesus, mas aquela era a hora das trevas.  Satanás estava se aproximando, na ilusão de que poderia ter vitória.  Afinal, a morte de Jesus era, agora, fato decidido.  E Jesus morto, que ameaça poderia representar para os planos malignos?

Satanás estava cego.  Era incapaz de perceber que aquilo tudo fazia parte do plano de Deus.  Nada ali seria acidental.  A morte de Jesus não havia sido decidida, como poderia pensar, por ele, o diabo.  Era o plano eterno de Deus, antes da fundação do mundo.  Não era a Sua derrota, mas Sua mais absoluta vitória: E foi na cruz que Cristo se livrou do poder dos governos e das autoridades espirituais.  Ele humilhou esses poderes publicamente, levando-os prisioneiros no seu desfile de vitória (Cl. 2. 15).

Mas estava se aproximando o momento das trevas.  Jesus ia ser traído e entregue para ser barbaramente torturado e morto.  Era um momento em que, ao menos aparentemente, Satanás poderia celebrar vitória.  Pelo menos até que tomasse pé da realidade.  E, quando isso acontecesse, seria tarde.

Muitas vezes vivenciamos momento assemelhado.  São horas de aparentes vitórias retumbantes do diabo e suas hostes.  Momentos das trevas, em que parece que Deus se ausentou e a Sua vitória é impossível.

São horas para exercitar a fé.  Fé que se baseia na incrível realidade de que o diabo já é um adversário derrotado.  O poder pertence a Jesus e a Sua vitória foi consumada na Cruz do Calvário.

Há momentos em que as lutas nos afligem profundamente.  Há momentos em que, abatidos, nos sentimos totalmente derrotados.  Há momentos em que, humilhados, nos consideramos casos perdidos.  Há momentos em que o mal e as trevas parecem tão prevalecentes que desesperamos da própria vida.  Há momentos em que nos apercebemos em meio a uma hora de domínio das trevas.

Essa é a hora de, pela fé, olharmos para o Sol da Justiça, cuja Luz dissipa qualquer nuvem oposta.  Essa é a hora de alimentar nossa alma dos Rios de Vida do Espírito e retomar o curso rumo a Cristo.  Essa é a hora de lutarmos com Deus para que, comendo da carne e bebendo do sangue de Jesus, sejamos arrastados em plena comunhão para a profunda intimidade nos braços do Pai.  É a hora, enfim, de firmes nas promessas da Palavra de Deus, lutarmos e vencermos pela fé.

 

Daniel Dantas

Missionário da 1ª IPI do Natal

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A TRAGÉDIA DE FELIPE KLEIN - Reportagem Prêmio Esso 2004

A TRAGÉDIA DE FELIPE KLEIN

Renan Antunes de Oliveira

Ele tinha tudo para ser feliz. Juventude, saúde, talento, dinheiro, o amor de belas garotas. Mas Felipe construiu para si um mundo dark e animal. Tatuou demônios no peito - e foi vencido por eles.

Na noite do sábado 17 de abril, um corpo de aparência incomum foi levado pela polícia ao necrotério da Avenida Ipiranga. Tinha duas protuberâncias esquisitas na testa. O médico-legista abriu o couro cabeludo, abaixou a pele até o nariz e se deparou com algo muito raro: dois chifres implantados na carne, feitos de teflon. Cada um era quase do tamanho de uma barra de chocolate Prestígio.

O cadáver estava todinho tatuado. Trazia argolas de metal nos genitais, mamilos, lábios, nariz e nas orelhas - e estas tinham orifícios da largura de um dedo.

De entre os chifres saíam três pinos metálicos pontiagudos.

A língua fora alterada: cortada ao meio e já cicatrizada, parecia a de um lagarto.

É claro que Felipe Augusto Klein, morto aos 20 anos, nem sempre teve uma aparência assim.

Nasceu uma criança saudável. Era o caçula dos cinco filhos do casal Lili e Odacir - o pai é um político influente, quatro vezes deputado federal, ministro de FHC e atual secretário estadual da Agricultura.

Fotos de Felipe no álbum da família mostram a criança típica da classe privilegiada: um menino de cachinhos loiros, olhos azuis, bochechudo, limpo, bem vestido ? e, às vezes, sorridente.

Foi na adolescência que ele começou a se mutilar com tatuagens, cirurgias e implantes. Pouco antes de morrer preparava-se para botar nas costas uma pele de lagarto e rasgar sulcos no rosto, para pintar neles uma máscara dos maoris, nativos da Nova Zelândia.

Em sua curta vida Felipe radicalizou em "body modification", a expressão inglesa dos adeptos de mudanças corporais. Nos últimos três anos, todo mês gravou alguma figura nova no corpo, ou se aplicou algum piercing. Para combater as dores provocadas por agulhas e bisturis ele se automedicava.

As dores físicas eram fichinha se comparadas ao espírito atormentado de Felipe. A mãe, as duas últimas namoradas e os dois amigos mais próximos o descreveram como um jovem patologicamente sensível a tudo que o rodeava ? e em especial, ao alcoolismo do pai.

"Eu não sou desse mundo" era sua frase predileta. Felipe disse que se sentia assim para dona Lili, para Helena, seu grande amor, para Karen, sua última namorada, para Cristiano e Xande, dois tatuadores tão amigos que cada um segurou uma alça do caixão, e para Virgínia, uma amiga que foi ao enterro chorar com a família.

Não dá para saber quando foi que ele começou a se sentir desse jeito. A mãe contou que "cedo" a família percebeu nele "alguma coisa diferente". Por isso, "desde pequeno recebeu tratamento psicológico". Nos dois últimos anos esteve "sob o controle de um psiquiatra".

Os médicos diagnosticaram um mal que surge na adolescência. O "transtorno afetivo bipolar", ou "psicose maníaco-depressiva". Felipe vivia na gangorra entre depressão e euforia, quase sempre no lado da baixa. Era tratado com um coquetel de antidepressivos.

Na literatura médica, a origem do mal é incerta. Pode ser genética, ou despertada por um trauma. O certo é que "ele nunca foi uma criança feliz", afirmou a mãe. Ela não sabe explicar como, entre seus cinco filhos, apenas Felipe teve a sina. "O mundo dele era seu quarto e seus bichos, não gostava de jogar futebol, nem de sair".

Felipe passou a infância em Brasília, onde seu divertimento era colecionar gnomos, seres imaginários de uma lenda nórdica. Na adolescência, já em Porto Alegre, onde terminou o secundário no Colégio Sevigné, aumentaram seus sintomas depressivos.

Por alguns meses fez parte da tribo urbana dos góticos, jovens que se vestem de negro, assumem um ar deprê e desprezam o resto da sociedade ? mas se afastou deles porque o pessoal o considerava excessivamente... gótico.

Quando saiu dessa tribo de humanos, ele se voltou mais ainda para seus bichos. Passava dias trancado no confortável quarto que ocupava no amplo apê da família, no edifício El Greco, onde morava com a mãe, uma tia e mais de 20 animais.

No seu minizôo tinha gatos com pedigree, cobras importadas, filhotes de jacaré, tartarugas e lagartos. "Ele gostava mais de animais do que de gente", contou Helena, citando outra frase ouvida dele. Tal paixão o levou a estudar Veterinária na Ulbra, mas logo se desinteressou.

Paixão permanente só por tattoos. A primeira ele fez aos 11, levado pela mãe. Era um sol, na coxa direita. Na adolescência evoluiu de tatuagens inocentes para figuras demoníacas e implantes radicais ? já então contrariando os pais.

Pesquisando na internet, Felipe virou autoridade em body modification. Quando começou a fazer experiências no próprio corpo ele apareceu na RBS TV, demonstrando as técnicas. Vaidoso, cortejou cineastas para tentar exibir seu visual em filmes. Já na fase da modification total suas imagens acabaram exibidas ao grande público, mas no Ratinho, numa comparação grotesca com um porco.

Seu visual o transformou numa celebridade na web. No pequeno círculo dos tatuadores ele chegou a jurado de competições internacionais.

Quem o conhecia sabia que era determinado e não temia a dor. Ele mesmo se aplicava alguns piercings, aquelas argolas metálicas que usava no corpo, cuja fixação é um pequeno suplício.

Quando botava na cabeça que faria alguma modification ia em frente. Foi dele próprio a idéia dos chifres. "Eu tentei dissuadi-lo dizendo que um dia ele se arrependeria e que então seria doloroso retirá-los, mas ele não ouvia ninguém", lembrou dona Lili.

Com a decisão tomada, ele estudou os passos da operação em livros de Medicina. Depois, orientou o tatuador que fez a cirurgia.

Nos últimos meses Felipe alimentou a bizarra fantasia de se transformar num animal como aqueles que amava ? a idéia era virar um lagarto, aplicando sob a pele das costas bolinhas de silicone que lhe dariam um aspecto enrugado. A língua já estava pronta, dividida numa operação feita por um dentista de Taquara.

No final de março Felipe anunciou a meta de implantar a máscara maori e virar lagarto, coisas que o deixariam irreconhecível. Ninguém duvidou da possibilidade. Mas era tarde. Ninguém pôde mais fazer coisa alguma por ele, exceto assistir sua dolorosa renúncia à humanidade.

Polícia não consegue depoimento do pai

A primeira pessoa a ver Felipe morto foi Tadeu, porteiro do edifício Palácio, onde morava Odacir Klein. Ele contou que estava no saguão quando ouviu "um grito e um baque". Caminhou até o muro que dá para o edifício Santa Maria e viu o corpo do rapaz estatelado no depósito de lixo do prédio vizinho.

Eram 18h56min do sábado 17 de abril. Tadeu chamou a polícia.

Quase três meses depois, a polícia ainda não tinha concluído o inquérito para apurar se Felipe se atirou, ou caiu, ou foi jogado do apto 903, o quarto e sala do pai no nono andar do Palácio, no 888 da Duque de Caxias.

Só pai e filho estavam no apartamento na hora da morte - e o pai não deu depoimento. Alguns jornais divulgaram que alguém vira Felipe no parapeito momentos antes da queda. Tal testemunha confirmaria suicídio, mas ela nunca existiu.

Quem esteve muito próximo da cena, mas também nada viu, foi Lucas, um estudante que mora no oitavo andar do prédio vizinho, quase janela com janela com o apê onde estava Felipe. Ele apenas ouviu o mesmo grito e baque escutados pelo porteiro.
Por determinação superior, a investigação da morte de Felipe não foi para a delegacia do bairro, como sempre acontece com cidadãos comuns, mas sim para a especializada em homicídios.

O delegado Márcio Zachello, encarregado do inquérito, disse que "a investigação contempla todas as possibilidades", mas trabalha mais com a hipótese de suicídio. Ele promete concluir a apuração "em breve". Três são as principais evidências de suicídio. A primeira é que o corpo de Felipe foi encontrado a 11 metros de distância do prédio do Palácio, sinalizando que ele teria tomado impulso.

A segunda foi a constatação de que o pai estava quase inconsciente na hora da tragédia, bêbado demais para qualquer ação violenta. Examinado pelo Departamento Médico-Legal, ele tinha 26 decigramas de álcool por litro de sangue, numa escala onde seis é o limite legal da embriaguês.

A terceira é o depoimento da namorada, a estudante Karen, 20 anos. Ela disse às autoridades que os dois tinham um pacto de suicídio. Karen desistiu da idéia quando eles discordaram sobre formas indolores de morrer ? Felipe gostava de se flagelar.

Ainda faltam duas peças para a conclusão do inquérito. O laudo da perícia feita no local pelo Instituto de Criminalística e o depoimento do pai. Ele já disse a familiares e amigos que não se lembra de nada do ocorrido naquela noite.

Filho cuidava de Odacir

Era Felipe quem cuidava do pai quando este bebia demais. "Meu filho se preocupava com o que pudesse acontecer com Odacir", contou dona Lili. "Ele sempre tentava protegê-lo".

O drama do alcoolismo foi vivido em segredo pela família durante anos, até ser exposto em rede nacional de TV, em 1996. Odacir, então ministro dos Transportes, voltava de uma festa com o filho mais velho, Fabrício, quando este atropelou e matou um operário, em Brasília. Os dois fugiram sem prestar socorro à vítima, mas alguém anotou a placa do carro e eles foram descobertos. O ministro estava embriagado. Com a repercussão do caso ele renunciou ao cargo.

No últimos anos Odacir fez vários tratamentos, alternando períodos ruins com outros de sobriedade. No ano passado, se separou da mulher e foi viver na mesma rua, a um quarteirão. Quando estava em dia ruim, assessores levavam documentos oficiais para que ele os assinasse em casa.

Última hora

Passava das 5 da tarde daquele sábado quando Felipe saiu do apê da mãe, atravessou a Praça da Matriz e caminhou até o do pai. Àquela hora a família sabia que Odacir estava alcoolizado - e o filho cumpriria pela última vez a tarefa de cuidar dele.

"Quando meu filho saiu eu fiquei rezando o terço libertário. Pedi a Jesus para proteger e libertar os dois", disse dona Lili ? ela não derramou uma lágrima sequer durante 40 minutos de entrevista, numa manhã de junho.

Felipe chegou no edifício do pai e o esperou no saguão. Odacir apareceu pouco antes da seis, cambaleando. Caiu no portão. O zelador Gérson e o porteiro Tadeu tiveram que carregá-lo.
Os dois levaram Odacir para o elevador. Na curta viagem, Gérson notou que ele se contorceu de dor, provocada por um forte beliscão que Felipe lhe aplicara nas costas.

"Eu disse para ele parar de judiar do doutor Odacir", contou Gérson. Felipe rebateu: "Ele só nos faz passar vergonha". A frase do rapaz com o rosto desfigurado soou estranha para o zelador: "Vinda de quem vinha, parecia piada, mas notei que ele estava muito nervoso e fiquei quieto".

No apê, Felipe ordenou que os dois atirassem o pai no chão, mas Gérson não aceitou: "Mandei ele abrir a bicama da sala e o deixamos ali".

O que aconteceu depois não teve testemunhas. Vizinhos ouviram pai e filho discutindo, gritos abafados por portas fechadas. Às 18h56, a queda.

A polícia chegou logo depois. Odacir aparece sem camisa nas fotos do inquérito, descabelado. Num relatório do SAMU os paramédicos atestaram que ele estava "com hálito etílico, fala arrastada e movimentos desorientados", mas sem ferimentos, exceto pequenos arranhões.

Uma parente passou pela rua, viu o rebuliço, ouviu o zum zum zum e correu para a casa de dona Lili ? ainda sem saber quem tinha morrido. "Eu pensei que tinha sido o Odacir", disse depois dona Lili. "Quando entrei na sala e o vi de pé, entendi que era Felipe".

Ela ainda teve coragem para ir à janela e olhar para baixo. O filho estava de bruços, com as pernas quebradas, os pés torcidos para fora e os braços abertos em cruz.

Serenidade

Dona Lili disse que já temia que o filho se matasse e mostrou dois sinais: "Uma semana antes ele me deu uns óculos que eu gostava e distribuiu os bichos". Tutankamon, o gato persa preferido, e Corn Snake, uma cobra americana, foram para o amigo Xande, tatuador em Camaquã. A mãe disse que agora se sente serena porque "ele sempre teve tudo o que queria, toda a ajuda que precisava. Não adiantou. Acho que ele estava muito avançado para nós, noutra dimensão".

Ela buscou apoio num grupo de pessoas que também perderam parentes: "Com eles a gente pode falar, explicar e entender tudo".

Dona Lili e o resto da família decidiram armar uma barreira de silêncio. Todos temem que o incidente possa prejudicar a candidatura do irmão Fabrício à Câmara de Vereadores.

Recuperado do choque, Odacir retomou o trabalho, até viajou para a China na comitiva do governador. A tragédia uniu outra vez Lili e Odacir - ele voltou para casa, nunca mais pisou ao apê onde Felipe morreu.

Rebeldia no enterro

Felipe fez parte de um grupo gótico freqüentador do estúdio Tattoo Company, da rua Duque. A musa do pessoal era a pintora Sílvia Motosi, uma Frida Kahlo dos pampas, cujos trabalhos estão expostos este mês na Usina do Gasômetro - amiga de Felipe, tatuada no mesmo estúdio e pelo mesmo tatuador, ela se matou em 2002, do mesmo jeito: saltando da janela do apê da família.

Quando menino Felipe era como um mascote da turma, composta por gente bem mais velha. Na adolescência era cliente compulsivo. Finalmente, quando já estava todo tatuado, virou garoto-propaganda da casa. O pessoal de lá elogiava muito seu visual - ele se sentia estimulado e ia cada vez mais fundo.

Um tatuador do estúdio era seu confidente. Quando não estava se tatuando, Felipe aparecia com amigos para quem oferecia os serviços do estúdio. Por algum tempo a mesma turma se reuniu no atelier da arquiteta Roberta, uma notável na tribo, para discussões sobre body modification, universo gótico e a arte da tatuagem, considerada por eles "tão efêmera quanto a vida".

Ainda adolescente ele serviu de modelo num calendário gótico. Na última página Felipe exibe o corpo com a palavra "alone" (sozinho), enquanto abraça a arquiteta - ela hoje tem 32 anos, vive na Áustria.

Uma série de fotos feitas pela produtora de moda Marion Velasco, com a participação de modelo Priscila Burman, é emblemática do visual chocante de Felipe mesmo antes do implante de chifres.

Seu corpo estava coberto por tatuagens aparentemente sem sentido. A mais dramática era uma face demoníaca no peito. Exibia cemitérios, dragões, flores, máscaras, frases completas ? uma delas, em alemão, dizia "solidão para sempre".

Para quem se sentia sozinho em vida, Felipe teve um enterro superconcorrido. Com a presença do governador Germano Rigotto, do senador Pedro Simon e até de adversários políticos do pai, como o ex-governador Alceu Collares, a cerimônia acabou atraindo centenas de pessoas e muitos jornalistas ? foi tudo, menos discreta.

Os amigos do lado gótico dele não gostaram de ver tantos políticos no velório. Virgínia contou que um grupo de tatuadores, ela junto, "se posicionou entre o caixão e os políticos durante alguns minutos, tenho certeza que Felipe gostaria do que fizemos para protegê-lo".

As diferenças entre família e tatuadores apareceram também no convite para enterro, com dois textos. Um falando que o menino foi acolhido por Jesus e Maria. O outro dizendo que "no mundo de Felipe não pode haver maldade". Houve um pequeno momento de constrangimento entre as duas turmas, episódio relatado por Virginia. A irmã dele, Fernanda, estava fazendo um agradecimento público aos tatuadores, dizendo "vocês eram sua verdadeira família", quando foi brecada pela mãe: "Não filha, ele nos amava, nós é que éramos sua família" - dona Lili falou com a autoridade de quem mais o conhecia.

Felipe levou consigo algumas de suas bizarrices. No dedo anular direito, um anel em forma de esqueleto. No pescoço, uma corrente com seu inseparável bisturi. Virgínia meteu um broche no caixão, em sinal de amizade eterna. Karen, a última namorada, botou uma vaquinha nas mãos dele, certa de que seu amor só estaria feliz na companhia de algum animal.

Felipe foi enterrado no cemitério São Miguel e Almas. Virgínia reclamou da aparência prosaica do túmulo, queria "alguma coisa medieval", que ela julgava seria mais ao gosto gótico do morto.

A tumba acabou adornada por um singelo bibelô de gesso, com a figura de um anjo montado num escorpião. A mãe mandou gravar uma frase na lápide, citando o martírio de Jesus no Calvário: "Nos precedestes na luz".

Amor no Rio de Janeiro foi raro momento de paz

Felipe conheceu o amor. Foi em outubro de 2001, numa convenção de tatuadores, em São Paulo. Aos 18 anos, branquelo e magro, 1m80 e ombros largos, ele atraiu Helena, sete anos mais velha, branquela e cheinha, 1m66. Ela só se aproximou dele dias depois, no protocolo jovem: via email.

Já em Porto Alegre, ele respondeu dizendo que também a tinha notado. Pediu uma imagem para conferir. E gostou da mulher que não fazia o tipo deprê. Carioca criada no Leblon, filha de uma professora de Literatura Francesa e formada em Publicidade, ela trabalhava numa produtora de filmes.
Superocupada, só teve tempo de vir a Porto Alegre na virada de 2002. Na noite de Ano Novo os dois ficaram. Ela jura que "foi um sonho".

Helena se disse atraída "porque ele era muito bonito antes das modificações", além de ser "mais sério do que muita gente mais velha". Ela o achou então "longe de ser deprê" e que seu figurino "era menos extremo". No carnaval Felipe foi pro Rio.

Por alguns dias Helena ia trabalhar com Felipe a tiracolo. Ele ficava rolando nas locações, esperando pelo tempo livre dela. Os dois tomavam muito sorvete na lanchonete Chaika, em Ipanema. Ela engordou alguns quilinhos, ele não, ela acha que é porque ele "era magro de ruim".

Helena estava apaixonada. Elogiou Felipe como "tudo, menos um amador". Ela topou mudar-se para Porto Alegre. Em março de 2002, veio morar com ele, a mãe, a tia e a bicharada dele. "Foi um tempo legal. A gente via desenhos animados, assistia filmes sobre Medicina no Discovery. Às vezes, ele inventava coisas na cozinha, era bom em massas", recorda a moça.

O relacionamento foi crescendo e as diferenças aparecendo. Helena: "Ele dizia que queria ser cada vez menos humano. Sentia ódio da raça humana. Detestava pessoas gananciosas e as que buscam notoriedade". A ex-namorada lembra que "uma coisa muito dele era sofrer quando via gente fazendo coisas ruins, uns passando por cima de outros para aparecer". Ela dizia "esquece isso, vamos nos divertir", mas parece que ele "não era disso, levava as coisas até o fim".

Mais Helena: "Eu acho que é por isso que ele se matou. Ele queria ser o menos humano, mas ao mesmo tempo encarava todos os problemas. Se você encara, como é que vai sobreviver ? O suicida é aquele que não vê uma saída. E Felipe era assim".

Ela disse que ele demonstrava "grande preocupação com o pai. Quando ele sofria suas crises de alcoolismo, Felipe era o mais prestativo. Tomava a iniciativa de ajudá-lo, mas na volta se via que ele sofria. Ficava quieto num canto, muito triste".

Num momento de depressão Felipe disse a Helena que gostaria de ser internado. "O psiquiatra não concordou e receitou Lexotan", conta a ex-namorada. Depois de um ano trancada no quarto com Felipe, ela foi embora: "Nenhuma história de amor dura para sempre" e "eu precisava trabalhar" foram suas razões.

Nos primeiros meses separados ele foi muito ciumento. "Eu passei a ficar em casa, no Rio, para não desagradá-lo. Mas depois ele entendeu e me disse para desencanar, não queria nada ruim assim no nosso relacionamento".

Felipe também seguiu adiante. No início, queixou-se para Cristiano da separação. Depois arrumou outra namorada, mas reclamava que ela "pegava no pé por picuinhas". Não queria ficar sozinho e seu lema passou a ser "antes mal acompanhado do que só". Nunca escondeu sua paixão e a falta que Helena lhe fazia.

Depois da morte, Helena foi chamada pela família ? ela não o vira durante a fase final de modificações corporais. Um carro oficial foi esperá-la no aeroporto e o enterro atrasado para sua chegada.

Virgínia disse que a viu no caixão, serena, repetindo baixinho para o morto, com ternura: "Me desculpe. Se eu não tivesse ido embora você ainda estaria vivo".

Agora é tarde, Felipe Augusto foi na frente. Nos precedeu na luz.

23.6.05

Atitude

Atitude

 

Por que você está me pedindo ajuda?  Diga ao povo que marche.

Êxodo 14. 15.

 

Lá está o povo de Israel, imprensado no meio do deserto.  De um lado, o Mar Vermelho.  De outro, os exércitos de Faraó.  Cercados por montes que lhes impedem a fuga.  Bate o desespero.  Agora é o fim.  Como aquele povo, cuja única coisa que sabiam fazer era o trabalho escravo, poderia se defender de tão bem armado exército do maior império da terra?  Como se defender do próprio Faraó em pessoa?  E disseram a Moisés: Será que não havia sepulturas no Egito? (Ex. 14. 11).

Tudo indicava que o fim estava próximo.  Ainda assim, Moisés é um homem de fé.  Ele reafirma o propósito de Deus em preservar o Seu povo de maneira milagrosa, destruindo pessoalmente os exércitos de Faraó: Não tenham medo.  Fiquem firmes e vocês verão que o Senhor vai salvá-los hoje.  Nunca mais vocês vão ver esses egípcios.  Vocês não terão de fazer nada: o Senhor lutará por vocês (Ex. 14. 13 ? 14).  Depois, vai orar, pedindo a Deus que faça aquilo que já tinha dito que ia fazer.  É nessa hora que notamos uma certa irritação em Deus: Por que você está me pedindo ajuda?  Diga ao povo que marche.  Acabara o tempo de orar e interceder.  Deus já tinha revelado Sua vontade e o que iria fazer.  Por que orar mais?  Era o momento de tomar uma atitude.  Era a hora de marchar na direção do Mar Vermelho.

Muitas vezes estamos em apertos ou em dúvidas. Não temos certeza de que ações tomar, de que coisas fazer, às vezes não temos muita certeza do que pensar.  Mas o problema é maior quando sabemos o que fazer, mas o que devemos fazer não nos parece uma boa idéia.  O problema é maior quando sabemos o que fazer, mas tememos tomar a atitude.  

A situação daquele povo é interessante.  O que Deus mandou fazer era uma loucura.  Havia um mar e era preciso avançar na sua direção como se fossem atravessar aquela água toda.  Era um aperto, a possibilidade real de tudo e todos serem destruídos.  O povo de Deus espera um escape e o escape concedido por Deus era tomar a louca atitude de avançar na direção do mar. Se isso não fosse feito, seria a morte.  Mas fazer isso era impossível.  Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come.

Lembro de uma passagem do último filme de Indiana Jones [?A última cruzada?], citada já milhares de vezes.  O arqueólogo está em busca do lendário Santo Graal, o cálice da Última Ceia de Cristo.  Há um abismo que o separa de um ponto onde pode estar a peça.  Ele fecha os olhos e dá um passo na direção do vazio.  Que não é bem um vazio porque há uma ponte camuflada na paisagem.  Ele precisou tomar uma atitude, aparentemente louca, para descobrir que não estava perdido, sem caminho.

Deus daria o escape ao povo de Israel, mas era necessário que eles tivessem coragem de assumir uma atitude, aparentemente de loucura.  Era preciso marchar na direção do Mar. Quando o povo começou a andar, o Mar se abriu.  E Israel passou em terra seca até a outra margem.

Muitas vezes a bênção de Deus está aí, pronta para ser recebida por nós.  O Senhor já nos falou diversas vezes sobre o que seria preciso fazer para vir a bênção.  Falta-nos tomas a atitude, mesmo que seja uma atitude louca e inusitada.  Que vá de encontro a tudo que temos como certo e estabelecido.  Se é isso que Deus requer, marchemos, pois.  A liberdade está a um passo na direção do Mar.

Pode ser que o Senhor nos requeira avançar na direção do problema, não fugir dele, lançando-nos nas mãos do Senhor para que Ele cuide de nós.  Avançar na direção do problema, entregando a vida inteira nas mãos de Jesus.  Tomar uma atitude, mesmo que aparentemente louca, aprendendo a depender unicamente de Deus. 

 

Daniel Dantas

Missionário da 1ª IPI do Natal

http://cavernadeadulao.blogspot.com

 

22.6.05

Figueira

Figueira

 

Agora a casa de vocês ficará completamente abandonada.

Lucas 13. 35

 

São dias difíceis aqueles em que somos julgados por Deus.  Afinal, se somos filhos, vez por outra transparece mais nitidamente o tratamento do Pai ao nos disciplinar.  Momentos difíceis que podem ser mais bem compreendidos se vistos à luz das Escrituras.

Jerusalém foi a cidade, desde os dias de Davi, que Deus escolheu como lugar da manifestação de Sua Glória e Majestade.  Ali, Ele decidiu permitir que homens limitados Lhe construíssem um Templo onde seria adorado.  Naquela cidade, o Seu Nome, que é capaz de salvar o pecador, seria invocado.  Dali partiria a mensagem de vida que é trazida à humanidade pelo próprio Deus.  Ali brotaria o Rio de Água Viva que manifestaria a Graça e o Poder de Deus em todo lugar do mundo, tornando o Senhor conhecido onde não havia sido ainda.  Era ali que seria anunciada a salvação do Senhor até os confins da terra.  Por isso, Jerusalém era a menina dos olhos de Deus.  Os seus moradores se consideravam, com relativa razão, filhos amados do Deus Altíssimo.  Mas esse era um passo para o pecado e o exclusivismo.

Apesar de tudo o que vemos na história de Israel, não foram poucos os profetas que se ergueram para denunciar Jerusalém e ameaçá-la com o castigo de Deus.  Algumas vezes, a ameaça deixou de ser hipotética e, por causa da dureza do coração da Filha de Sião e do seu pecado, a cidade foi atacada.  O templo do Senhor foi roubado algumas vezes.  O auge, antes dos dias de Jesus, havia sido a destruição da cidade sob Nabucodonosor e o exílio na Babilônia. 

No entanto, reiteradas vezes o Senhor reafirmava o Seu amor por aquela cidade e pelo povo que ali habitava: Com laços de amor e de carinho, eu os trouxe para perto de mim; eu os segurei nos braços como quem pega uma criança no colo.  Eu me inclinei e lhes dei de comer.(...) Israel, como eu poderia abandoná-lo?  Como poderia desampará-lo? Será que eu o destruiria, como destruí Admá?  Ou faria com você o que fiz com Zeboim? Não!  Não posso fazer isso, pois o meu coração está comovido, e tenho muita compaixão de você (Os. 11. 4 e 8).  Mesmo quando os julgava e condenava, como no contexto de Oséias, não podia abandoná-los por completo por causa do grande amor que mantinha.

A história de Jerusalém é de constante repetição.  Como se realizasse aquela fala do livro de Provérbios: Quem é repreendido muitas vezes e teima em não se corrigir cairá de repente na desgraça e não poderá escapar (Pv. 29. 1).  É um povo constantemente rebelde e contradizente, que não se emenda.  É a essa cidade que Jesus vai para realizar Seu ministério.

No início do capitulo 13 de Lucas, Jesus conta uma parábola para descrever o estado de Jerusalém: Certo homem tinha uma figueira na sua plantação de uvas.  E, quando foi procurar figos, não encontrou nenhum.  Aí disse ao homem que tomava conta da plantação: ?Olhe!  Já faz três anos seguidos que venho buscar figos nesta figueira e não encontro nenhum.  Corte esta figueira!  Por que deixá-la continuar tirando a força da terra sem produzir nada??  Mas o empregado respondeu: ?Patrão, deixe a figueira ficar mais este ano.  Eu vou afofar a terra em volta dela e pôr bastante adubo.  Se no ano que vem ela der figos, muito bem.  Se não der, então mande cortá-la? (Lc. 13. 6 ? 9).  Jesus estava dizendo que Jerusalém estava deixando passar a sua última chance, concedida pela longanimidade do Pai.  É no mesmo texto que Ele anuncia o juízo sobre a cidade: Jerusalém, Jerusalém, que mata os profetas e apedreja os mensageiros que Deus lhe manda!  Quantas vezes eu quis abraçar todo o seu povo, assim como a galinha ajunta os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas vocês não quiseram!  Agora a casa de vocês ficará completamente abandonada (Lc. 13. 34 ? 35).

Mais à frente, diante da cidade, no domingo de ramos, Ele chora!  Ah! Jerusalém!  Se hoje mesmo você soubesse o que é preciso para conseguir a paz!  Mas agora você não pode ver isso.  Pois chegarão os dias em que os inimigos vão cercá-la com rampas de ataque, e vão rodeá-la, e apertá-la de todos os lados.  Eles destruirão completamente você e todos os seus moradores.  Não ficará uma pedra em cima da outra, porque você não reconheceu o tempo em que Deus veio para salvá-la (Lc. 19. 42 ? 44).  O tempo estava esgotado.  A figueira, finalmente, iria ser cortada e lançada ao fogo.  Depois de tantas chances e tanta longanimidade, agora era tarde.  Dali a quarenta anos, a cidade seria completamente destruída pelas tropas romanas do General Tito.  Era o fim.

O juízo não é sem amor.  Não é sem dor no coração de Deus.  Por tratar com dureza, Ele não deixa de amar.  É impressionante o fato de que Jesus faz essa última profecia sob lágrimas.  Ele está chorando a dor de castigar a cidade que tanto ama.  Cidade tão especial para os projetos de Deus.  Sua menina dos olhos.  Toda ação de juízo de Deus é regada pelas lágrimas do Amor Eterno.

Deus tem nos desafiado a corrigirmos as nossas vidas.  Temos pecado contra Ele.  Temos agido de modo contrário à Sua vontade.  Ele tem adiado o juízo, mas não o fará por muito tempo.  É hora de eu e você abrirmos os olhos.  É hora de abrirmos o nosso coração e mudarmos de vida.  Quebrantarmo-nos, arrependidos, diante do Pai Celeste, confessando nossas culpas, transformando nossas atitudes, permitindo que o Espírito santifique o nosso ser.  Talvez ainda seja tempo de evitar o fim de tudo.  Devemos nos curvar, humildes, pois ainda pode haver esperança (Lm. 3. 29).

 

Daniel Dantas

Missionário da 1ª IPI do Natal

http://cavernadeadulao.blogspot.com

21.6.05

Dinamite

Dinamite

 

Alguém está gritando: ?Preparem no deserto um caminho para o Senhor, abram ali uma estrada reta para o nosso Deus passar! Todos os vales serão aterrados, e todos os morros e montes serão aplanados; os terrenos cheios de altos e baixos ficarão planos, e as regiões montanhosas virarão planícies.  Então o Senhor mostrará a Sua Glória, e toda a humanidade a verá.  O próprio Senhor Deus prometeu que vai fazer isso?.

Isaías 40. 3 ? 5

 

Quando se decide pela construção de uma estrada, alguns elementos entram em questão.  Se essa estrada vai cortar uma região de floresta, como era o caso da Transamazônica, é necessário abrir caminho em meio às árvores.  Depois disso, ainda é fundamental terraplanar tudo, já que a estrada necessita de um certo grau de planura e estabilidade.  Se a região é montanhosa, corre-se o risco de que o seu trajeto atravesse colinas ou rochas.  No caso de uma colina, é necessário que ela seja removida para dar lugar à estrada.  Se for rochosa, é possível que se torne imprescindível o uso de explosivos para dinamitar o caminho.

Alguns anos atrás, eu me lembro de ter visto uma situação bem concreta em que se fez necessário dinamitar uma rocha que interrompera uma estrada.  Em uma das muitas enchentes da região Sudeste, a chuva havia feito rolar uma grande pedra que passou a interromper as pistas de uma rodovia federal.  Apesar de protestos de ambientalistas, a única saída encontrada foi dinamitar a grande pedra para abrir o caminho.

É essa imagem que aparece na profecia de Isaías.  Referindo-se ao predecessor do Messias, que sabemos hoje se tratar de João Batista, Isaías fala sobre ele como alguém que viria para aplanar os caminhos, desobstruí-los e limpá-los, a fim de que a glória do Senhor pudesse se manifestar através da vida e do ministério do Messias Jesus.

Podemos, no entanto, extrapolar um pouco essa interpretação porque o texto é mais amplo.  Na verdade, o texto denuncia uma situação em que o Senhor quer passar, quer se manifestar, quer se fazer presente e conhecido, mas os caminhos estão obstruídos e entulhados, impedindo que o Senhor possa mostrar toda a Sua Glória.  Por isso, Ele nos desafia a que preparemos o terreno, para que aplanemos os caminhos, para que dinamitemos as pedras. 

Deus prometeu a manifestação de Sua presença gloriosa em nosso meio, mas algo tem impedido isso e um verdadeiro avivamento de queimar em nós pela glória do Senhor.  É como se a grande rocha estivesse impedindo o Senhor de passar em nosso meio.  É preciso removê-la.  É preciso tirar essa pedra do caminho.  ?Preparem no deserto um caminho para o Senhor, abram ali uma estrada reta para o nosso Deus passar! Todos os vales serão aterrados, e todos os morros e montes serão aplanados; os terrenos cheios de altos e baixos ficarão planos, e as regiões montanhosas virarão planícies. Então o Senhor mostrará a Sua Glória, e toda a humanidade a verá. O próprio Senhor Deus prometeu que vai fazer isso?.

Eu e você sabemos o que pode estar entulhando a nossa vida ou a vida de nosso povo.  Pode ser o pecado.  Pode ser mágoa acumulada.  Pode ser uma pedra de tropeço, posta por um inimigo.  Pode ser que você deseje um conhecimento mais real do Senhor, um relacionamento mais profundo, mas sente que algo impede que Deus passe e se manifeste de maneira mais plena em Sua vida.  Você até deseja entregar-se a Ele, mas algo o impede.

Pode ser que você perceba que Deus tem uma obra bem maior para realizar em sua vida, mas algo tem sido obstáculo.  Pode até ser que você nem tenha certeza do que seja esse obstáculo, mas o desafio do Senhor é que removamos essas rochas, que preparemos o terreno, que aplainemos as colinas, que abramos os caminhos de nossa vida para que o Senhor passe e Sua glória se manifeste em nós.

Um clamor constante no meio do povo é por uma manifestação especial de Deus, que temos chamado de Avivamento.  Esse texto nos ensina que, primeiro, é preciso preparar os terrenos, especialmente removendo as rochas dos corações.  Mesmo que seja necessário dinamitar tudo, pondo em risco o meio ambiente.  Então o Senhor mostrará a Sua Glória, e toda a humanidade a verá.  O próprio Senhor Deus prometeu que vai fazer isso.  Deus tem o projeto de uma vida mais plena e mais rica na presença de Sua glória e majestade.  Ele quer manifestar isso.  Mas, antes, nos desafia a dinamitar toda pedra que seja obstáculo à Sua ação. 

Meses atrás, Deus me deu uma visão.  Nela eu via uma multidão de pessoas desejosas de conhecê-Lo, do lado de fora das portas da igreja, com rostos famintos, esperando que fosse removida a pedra de tropeço em nosso meio.  Ele me dizia que, assim que o Seu caminho fosse liberado, a manifestação de Sua glória ia ser tão grande, que toda a humanidade a veria, como foi prometido através do profeta Isaías.  Existem milhões lá fora, esperando que removamos os obstáculos para que o Senhor se manifeste e toda a terra conheça a Sua glória.  Ou, ainda, você pode ser alguém que quer conhecer o Senhor com mais intimidade, mas tem sido impedido.  Qualquer que seja o caso, o meu desejo é que o Senhor nos dê da dinamite do Espírito para removermos as pedras de nossa vida, que tem impedido a manifestação plena da Sua Glória.

 

Daniel Dantas

Missionário da 1ª IPI do Natal

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Dinamite

Dinamite

 

Alguém está gritando: ?Preparem no deserto um caminho para o Senhor, abram ali uma estrada reta para o nosso Deus passar! Todos os vales serão aterrados, e todos os morros e montes serão aplanados; os terrenos cheios de altos e baixos ficarão planos, e as regiões montanhosas virarão planícies.  Então o Senhor mostrará a Sua Glória, e toda a humanidade a verá.  O próprio Senhor Deus prometeu que vai fazer isso?.

Isaías 40. 3 ? 5

 

Quando se decide pela construção de uma estrada, alguns elementos entram em questão.  Se essa estrada vai cortar uma região de floresta, como era o caso da Transamazônica, é necessário abrir caminho em meio às árvores.  Depois disso, ainda é fundamental terraplanar tudo, já que a estrada necessita de um certo grau de planura e estabilidade.  Se a região é montanhosa, corre-se o risco de que o seu trajeto atravesse colinas ou rochas.  No caso de uma colina, é necessário que ela seja removida para dar lugar à estrada.  Se for rochosa, é possível que se torne imprescindível o uso de explosivos para dinamitar o caminho.

Alguns anos atrás, eu me lembro de ter visto uma situação bem concreta em que se fez necessário dinamitar uma rocha que interrompera uma estrada.  Em uma das muitas enchentes da região Sudeste, a chuva havia feito rolar uma grande pedra que passou a interromper as pistas de uma rodovia federal.  Apesar de protestos de ambientalistas, a única saída encontrada foi dinamitar a grande pedra para abrir o caminho.

É essa imagem que aparece na profecia de Isaías.  Referindo-se ao predecessor do Messias, que sabemos hoje se tratar de João Batista, Isaías fala sobre ele como alguém que viria para aplanar os caminhos, desobstruí-los e limpá-los, a fim de que a glória do Senhor pudesse se manifestar através da vida e do ministério do Messias Jesus.

Podemos, no entanto, extrapolar um pouco essa interpretação porque o texto é mais amplo.  Na verdade, o texto denuncia uma situação em que o Senhor quer passar, quer se manifestar, quer se fazer presente e conhecido, mas os caminhos estão obstruídos e entulhados, impedindo que o Senhor possa mostrar toda a Sua Glória.  Por isso, Ele nos desafia a que preparemos o terreno, para que aplanemos os caminhos, para que dinamitemos as pedras. 

Deus prometeu a manifestação de Sua presença gloriosa em nosso meio, mas algo tem impedido isso e um verdadeiro avivamento de queimar em nós pela glória do Senhor.  É como se a grande rocha estivesse impedindo o Senhor de passar em nosso meio.  É preciso removê-la.  É preciso tirar essa pedra do caminho.  ?Preparem no deserto um caminho para o Senhor, abram ali uma estrada reta para o nosso Deus passar! Todos os vales serão aterrados, e todos os morros e montes serão aplanados; os terrenos cheios de altos e baixos ficarão planos, e as regiões montanhosas virarão planícies. Então o Senhor mostrará a Sua Glória, e toda a humanidade a verá. O próprio Senhor Deus prometeu que vai fazer isso?.

Eu e você sabemos o que pode estar entulhando a nossa vida ou a vida de nosso povo.  Pode ser o pecado.  Pode ser mágoa acumulada.  Pode ser uma pedra de tropeço, posta por um inimigo.  Pode ser que você deseje um conhecimento mais real do Senhor, um relacionamento mais profundo, mas sente que algo impede que Deus passe e se manifeste de maneira mais plena em Sua vida.  Você até deseja entregar-se a Ele, mas algo o impede.

Pode ser que você perceba que Deus tem uma obra bem maior para realizar em sua vida, mas algo tem sido obstáculo.  Pode até ser que você nem tenha certeza do que seja esse obstáculo, mas o desafio do Senhor é que removamos essas rochas, que preparemos o terreno, que aplainemos as colinas, que abramos os caminhos de nossa vida para que o Senhor passe e Sua glória se manifeste em nós.

Um clamor constante no meio do povo é por uma manifestação especial de Deus, que temos chamado de Avivamento.  Esse texto nos ensina que, primeiro, é preciso preparar os terrenos, especialmente removendo as rochas dos corações.  Mesmo que seja necessário dinamitar tudo, pondo em risco o meio ambiente.  Então o Senhor mostrará a Sua Glória, e toda a humanidade a verá.  O próprio Senhor Deus prometeu que vai fazer isso.  Deus tem o projeto de uma vida mais plena e mais rica na presença de Sua glória e majestade.  Ele quer manifestar isso.  Mas, antes, nos desafia a dinamitar toda pedra que seja obstáculo à Sua ação. 

Meses atrás, Deus me deu uma visão.  Nela eu via uma multidão de pessoas desejosas de conhecê-Lo, do lado de fora das portas da igreja, com rostos famintos, esperando que fosse removida a pedra de tropeço em nosso meio.  Ele me dizia que, assim que o Seu caminho fosse liberado, a manifestação de Sua glória ia ser tão grande, que toda a humanidade a veria, como foi prometido através do profeta Isaías.  Existem milhões lá fora, esperando que removamos os obstáculos para que o Senhor se manifeste e toda a terra conheça a Sua glória.  Ou, ainda, você pode ser alguém que quer conhecer o Senhor com mais intimidade, mas tem sido impedido.  Qualquer que seja o caso, o meu desejo é que o Senhor nos dê da dinamite do Espírito para removermos as pedras de nossa vida, que tem impedido a manifestação plena da Sua Glória.

 

Daniel Dantas

Missionário da 1ª IPI do Natal

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20.6.05

Excepcionalmente

Excepcionalmente, enviei dois textos hoje.
 
Daniel Dantas

Compaixão

Compaixão

 

Quando Jesus saiu do barco e viu aquela grande multidão, ficou com muita pena deles e curou os doentes que estavam ali.

Mateus 14. 14.

 

No último sábado comprei uma camiseta que sempre quis ter.  Ela traz a mais famosa foto de Che Guevara e frases conhecidas dele: Viva la Revolucion! Hasta la victoria siempre!  Ontem à noite fui à igreja com ela.

Depois fiquei pensando que aquela camisa podia ser mal-entendida pelos meus irmãos.  Especialmente pelo fato de que ninguém entende bem as idéias que fundamentam qualquer ideal revolucionário.  Então, a pergunta inevitável seria: Como pode um cristão andar com a foto de um revolucionário?  Eu poderia responder com uma outra pergunta: Como pode um cristão não ser um revolucionário?

Quem assistiu Diários de Motocicleta, mesmo que faça todas as ressalvas devidas à construção romântica da figura de Che, pôde entender como nasce um ideal revolucionário.  E, mais ainda, que o ideal de Guevara não se produziu em um contexto anti-cristão ou anti-bíblico.  Sua execução pode ter sido contrária às Escrituras, mas o processo de nascimento é profundamente vinculado aos princípios do Evangelho de Jesus.

O filme narra a viagem de Che e de seu parceiro Alberto Granado, de moto, pelas terras latino-americanas, quando o futuro revolucionário ainda era um jovem estudante de medicina.  O ponto final da viagem seria um leprosário na Amazônia peruana.  No caminho, a dupla descobre, pouco a pouco, a miséria, a exploração e a injustiça no continente.  Ao chegar no leprosário, eles revolucionam o atendimento preconceituoso e de isolamento que, até então, se dava aos doentes.  Mesmo em tratamento e, por isso, sendo impossível o contágio, os doentes eram isolados em uma ilha.  As religiosas não permitiam que se misturassem.  Na noite de seu aniversário, o asmático Ernesto atravessa o rio a nado, apenas para poder celebrar com os seus amigos leprosos na colônia da outra margem.

O ideal revolucionário nasce da capacidade de se indignar com a injustiça e de ter compaixão pelos oprimidos.  E, daí, ele conduz a uma ação em favor de mudança.  Quando Jesus saiu do barco e viu aquela grande multidão, ficou com muita pena deles e curou os doentes que estavam ali.

Jesus era alguém que se compadecia e se indignava, e, conduzido pelo amor, agiu para transformar o mundo, sem nenhuma dúvida.  Esse era o propósito de Sua vida, Seu ministério, Seu compromisso.

Quando Jesus se encontra com o jovem rico (Lc. 18. 18 ? 27), o desafia a assumir um compromisso duplo, em resposta à sua pergunta sobre o que fazer para ser salvo: compromisso com o próprio Senhor, em primeiro lugar, e compromisso com os pobres.  O rico rejeita a salvação porque é incapaz de se comprometer com os pobres.

Indignação com a injustiça, compaixão pelos oprimidos e compromisso com a transformação do mundo são coisas impressas em nosso coração pelo amor de Deus.  Ser cristão, por isso, é ser revolucionário, mesmo que nunca necessitemos realizar uma revolução armada.  A nossa revolução é conduzida pela força do Evangelho e pela luta por mudança.

Outro dia dizia a uma amiga que ela não podia perder a capacidade de se indignar com a injustiça, sob pena de perder, junto com isso, o seu compromisso com Deus. 

Podemos, por fim, não aceitar as práticas de Che, mas não podemos deixar de constatar que seu ideal, nascido da compaixão e da indignação, não diverge tanto do compromisso de Jesus quanto gostariam alguns.  Quando Jesus saiu do barco e viu aquela grande multidão, ficou com muita pena deles e curou os doentes que estavam ali.

 

Daniel Dantas

Missionário da 1ª IPI do Natal

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Cupins

Cupins

 

Estou me afogando nos meus pecados; eles são uma carga pesada demais para mim.

Salmo 38. 4

 

A verdade mais simples da Bíblia sobre o homem é que ele é pecador.  Isso independe de suas ações.  Quer dizer, o homem não é pecador por pecar, mas peca porque é pecador.  Sua natureza é oposta a natureza do Senhor, porque nossos primeiros pais pecaram.  A maldição do pecado entrou na história humana.

É claro que o texto bíblico nos garante que estamos livres de toda e qualquer condenação a partir do momento que estamos em Jesus, mas isso não significa que não pecaremos mais.  Porque a salvação que Deus nos providencia começa na graça, se desenvolve na graça e terminará na graça.  Pecaremos, mas temos a certeza de um Pai no céu e de um Advogado justo: não seremos condenados. 

Quando começamos a andar com Jesus corremos um sério risco de nos esquecermos disso. Corremos o risco de nos esquecermos que continuamos pecadores, ainda que redimidos e salvos.  Andamos no fio da navalha, a todo instante tentados a nos transformarmos naquele fariseu de quem Jesus fala em Lucas 18: Dois homens foram ao Templo para orar.  Um era fariseu, e o outro, cobrador de impostos.  O fariseu ficou de pé e orou sozinho, assim: ?Ó Deus, eu te agradeço porque não sou avarento, nem desonesto, nem imoral como as outras pessoas. Agradeço-te também porque não sou como este cobrador de impostos. Jejuo duas vezes por semana e te dou a décima parte de tudo o que ganho? (Lc. 18. 10 ? 12).  A tentação é a de nos acharmos, em premissas totalmente equivocadas, os supersantos, impecáveis.  Esse é um caminho de destruição sem volta.

É por isso que, às vezes, eu acho que Deus permite que cometamos os mais graves pecados.  Ele faz isso para que a nossa natureza pecaminosa seja lançada em nosso rosto e nos conscientizemos de que não somos nada.  Ele faz isso para nos preservar de qualquer sentimento orgulho, para nos tornarmos mais semelhantes ao cobrador de impostos: Mas o cobrador de impostos ficou de longe e nem levantava o rosto para o céu.  Batia no peito e dizia: ?Ó Deus, tem pena de mim, pois sou pecador!? (Lc. 18. 13).  Jesus afirma que este cobrador de impostos, consciente de sua miséria, foi o único que voltou para casa abençoado com a graça, a paz e o perdão de Deus.

Andamos no fio da navalha do orgulho, da sensação de que somos os mais especiais dos homens.  Os supersantos.  Nessas horas, a consciência acerca de um pecado pode ser um remédio.  Davi, homem segundo coração de Deus, Seu amigo íntimo, escreveu o Salmo 38: Estou me afogando nos meus pecados; eles são uma carga pesada demais para mim.  Só essa atitude pode nos garantir o perdão pela graça.  Um coração quebrantado, arrependido, não deixará de ser perdoado.

Quando nos sentimos os muito bons é como se fôssemos uma bela casa, construída toda em madeira.  Não percebemos, mas sob os nossos pés a casa está sendo consumida, por dentro, por um cupinzeiro.  Os pequenos insetos estão corroendo todas as estruturas, todos os alicerces.  Quando tivermos consciência do que está acontecendo, ou seja, quando as paredes internas se afofarem e se espatifarem, será muito tarde: a construção inteira estará condenada.

O nosso pecado pode ser esse monte de cupim.  Vai destruindo a nossa vida, enquanto não tivermos a consciência vívida acerca de quem somos e de quem Deus é. Não somos nada diante do Pai Santo.  Como diz o velho hino, sentimentos orgulhosos não convém a criminosos.  Deus quer, em nosso coração, o sentimento humilde daquele cobrador de impostos.  Se nos permitirmos ser como o fariseu, Ele nos abaterá e humilhará.  É bom acordar, antes que seja tarde demais para acabar com o ataque dos cupins.

 

Daniel Dantas

Missionário da 1ª IPI do Natal

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