26.1.03

De que me adianta ler um livro se ele não me provocar nada? Em outras palavras: é lícito ler um livro só por lê-lo, sem ser desafiado por ele, sem procurar aplicá-lo à sua vida?
Pensando nisso, voltei meus olhos à minha leitura de “O desespero humano”, de Kierkegaard, e passei a meditar no que estava lendo, no que me dizia respeito aquilo. E eis o resultado:
Passamos a maior parte dos nossos dias na inconsciência de nós mesmos. Vivemos uma vida, digamos, “robotizada”. O cotidiano nos domina com sua repetição.
No âmbito mais íntimo, não nos preocupamos muito com qualquer nível de reflexão. Nós, simplesmente, não possuímos EU. E, por mais religiosos que sejamos, nossos ritos não estão nos levando ao abandono ao Infinito, única chance de adquirirmos a consciência do eu.
Esse é o padrão do mundo.
E aí, quando começamos a descobrir novas maneiras de nos relacionarmos com Deus (em nosso interior), passamos a ter um novo relacionamento conosco em busca de um eu. E é incrível que, na prática, a autoconsciência do eu nos leva ao conhecimento real do desespero. Mas se queremos vida real, o desespero não nos pode nos assustar, devemos nos lançar a Deus e descobrir nosso eu.
De algum tempo para cá, esse processo está se desenvolvendo em mim. E, por isso, o mundo exterior tem me pressionado a não ser eu.
É incrível. Quanto mais eu busco a consciência do eu, menos conforme ao padrão exterior eu me encontro. Dessa maneira, a exterioridade me pressiona a que me adapte, esqueça essa idéia de eu, continue na inconsciência plena de vida de antes, robotizado, automatizado.
No meu caso, o processo tem gerado intensos conflitos de inadaptabilidade. É que “eu não caibo mais nas roupas que cabia”. Ser eu, em um mundo que não aceita isso, é doloroso. E essa dor da pressão exterior se soma ao desespero que é descoberto quanto mais perto se chega do eu.
Isso me faz pensar em “Matrix”. Alguma coisa dentro de Neo e o dos outros os levava à dúvida. Kierkegaard chamou esse sentimento de desespero. Nem todos se apercebiam dele. Nem todos se apercebiam da Matrix. mas alguns chegaram ao desespero, à consciência do eu, escolheram a pílula certa.
O senso comum se conforma à frase (clássica) do filme (e que reaparece em “Swordfish”): “A ignorância é uma bênção”. Nesse sentido, Kierkegaard cita Shakespeare: “Maldito sejas, primo, porque me desviaste daquele doce caminho em que eu estava em pleno desespero!”. Mesmo que uma vida assim não possa ser chamada de vida, mesmo que ela doa, prefere-se isso ao desafio da autoconsciência, porque essa autoconsciência pode nos causar dor.
E aí os que adquiriam a autoconsciência eram rejeitados pelo sistema, pela Matrix. Eram condenados. Tornavam-se lixo. Os inadaptáveis devem morrer. São perseguidos pelos Agentes do sistema.
É preciso ter coragem para buscar a autoconsciência.
E sabe que “Matrix” tem uma metáfora fascinante? (Há claras referências bíblicas, como o nome da cidade dos humanos da resistência: Sião). Neo é o Messias. É a metáfora do Cristo. E o que aconteceu com Jesus vemos metaforicamente em Neo. O mais inadaptável dos homens, mas a sua única esperança (isso lembra o Servo sofredor de Isaías). Despercebido pela maioria. Termina sendo morto pelo sistema, mas ressuscita para destruir o sistema. Para redimir e libertar a humanidade!
Para vencer o sistema, junte-se a Jesus. Ele o vai destruir. Essa é a esperança cristã.
Como na Matrix, os que buscam a autoconsciência do eu são descartados pelo sistema. Mas, antes disso, o sistema de inconsciência à nossa volta tentará nos acomodar, adaptar a todo custo. Aí, virão conflitos inevitáveis.
Mas, ainda assim, eu prefiro está ao lado dos inadaptáveis.
E você?

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