Rubens Lemos era o nome de meu pai. Militante político desde a juventude, muita coisa na vida de meu pai foi clandestina. Eu nasci clandestino. Filho de um amor proibido há 23 anos.
Meu pai foi perseguido pelo Regime Militar. Exilou-se no Chile. Quando Pinochet derrubou Allende, voltou ao Brasil atravessando os Andes. Diversas vezes foi preso. Jornalista, não conseguia se calar mesmo quando estava comentando jogos de futebol: “A partida está difícil, mas se o povo se unir, pode conseguir a virada”.
Ele se casou duas vezes, jamais com minha mãe. Ela costuma dizer que eu fui feito em uma preliminar de futebol. Com suas duas mulheres, meu pai teve outros seis filhos (três com cada). No Chile, ele também deixou um herdeiro.
Rubens Lemos foi um dos fundadores do PT no Rio Grande do Norte e seu primeiro candidato a governador de Estado. Jornalista renomado por essas bandas, quando faleceu em 1999, seu sepultamento recebeu cobertura de toda a mídia natalense. Diversos políticos e colegas estiveram ali.
Mas meu pai morreu só. Das diversas mulheres que teve em vida, nenhuma estava com ele. Estava sendo cuidado por minha tia Rute. Sua companhia, há anos, era a bebida. Havia se internado em um hospital disposto a tentar, mais uma vez, a se livrar do vício. Não deu tempo de tentar. Morreu depois de cinco dias na UTI.
No velório, minha irmã e sua mãe (a segunda mulher de papai) posaram o tempo inteiro de viúva e filha arrependida. Era uma sexta-feira. Na segunda seguinte seria aniversário dele. Na segunda publiquei um texto no jornal, homenageando minha tia como a única viúva que Rubens Lemos deixara. Após um telefonema em que fui esculhambado por minha irmã, nunca mais falei com ela.
Hoje, quando vinha trabalhar, como sempre, o ônibus passou na rua dela. Como sempre, olhei para o ponto de ônibus para ver se ela não estaria ali... estava. Subiu no ônibus. Ela e sua mãe. Continuei lendo Kierkegaard, mesmo quando sua mãe me olhou penetrante.
Doeu. Não gostaria que essa situação se prolongasse indefinidamente. Faz praticamente quatro anos. Nós nunca nos falamos novamente.
Como disse a Susana, irmãos não são vítima, algoz e salvador. Irmãos são irmãos que se ferem, mas se desculpam. Espero por esse dia.
31.1.03
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