3.11.03

O dia de ontem era reservado em nosso calendário para chorarmos os nossos mortos.
Vi minha avó chorando seus mortos.
Chorava mortos concretos. Os queridos que partiram. Seu irmão, único, falecido em março. Sua neta, morta há 17 anos. Morte insuportável ainda. Chorou suas amigas que se foram há tempos.
Minha avó chorava também uma morta bem próxima. Eliana, minha tia, filha mais próxima, passou o ano em Nova York. Dor insuportável. Mas não se compara com a dor mortal que minha tia está lhe causando. Ela ainda não vive em Natal. Ela não conseguiu ainda voltar de verdade das terras americanas. Minha tia está morta para essa terra. E, sem perceber, mata minha avó pouco a pouco. Minha tia se torna incapaz de se relacionar conosco. Incapaz de se relacionar verdadeiramente com a própria mãe. E perdeu a sensibilidade de percebê-la sofrendo a seu lado. Minha avó chorava a filha, morta (ainda que viva), ao seu lado.
Mas minha avó chorava também a própria morte. Não antecipando o inevitável, mas de modo real, minha avó chorava o fim de seus sonhos e sua vida. Ela (pelo menos na sua visão) morreu com os seus sonhos ainda aos catorze anos. Ao casar. Aquele casamento e essa vida que vem dali representou a morte da vida que ela sonhou para si mesma. Representou uma vida sem sentido, sem amor, sem relacionamentos concretos, sem sonhos, sem vida.
Aos 81 anos, toda a vida de minha avó hoje se restringe ao relacionamento com minha tia, Eliana. É seu sentido de vida. Mas Eliana anda muito egoísta para perceber que está matando o resto de vida da própria mãe.

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