19.3.03

Em homenagem ao Marco:

Ode ao Burguês
Mário de Andrade

Eu insulto o burguês! O burguês-níquel,
o burguês-burguês!
A digestão bem feita de São Paulo!
O homem-curva! O homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano,
é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!

Eu insulto as aristocracias cautelosas!
Os barões lampeões!os condes Joões!os duques zurros!
que vivem dentro de muros sem pulos;
e gemem sangues de alguns milreis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês
e tocam o “Printemps” com as unhas!

Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, donos das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fora Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o êxtase fará sempre Sol!

Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
ao burguês-cinema!ao burguês-tílburi!
Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano!
“- Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
- Um colar... – Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!”

Come! Come-te a ti mesmo, oh!gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh!cabelos nas ventas!oh!carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte e infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante!
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giôlhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!

Fora! Fú! Fora o bom burguês!...

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