Tenho dito fundamentalmente duas coisas nos debates que tenho participado.
Primeiro, segurança pública é uma construção coletiva e solidária e não vai se resolver com a ações individualistas como a que é representada pela proposta do Não. A proposta do Não é o cada um por si e Deus por ninguém. É irresponsável consigo e com o próximo, porque não se preocupa em mobilizar-se para a transformação das questões envolvidas: enfrentamento das causas da violência - incluindo a desigualdade social, acesso à saúde e educação de qualidade - e com a pressão sobre os governos para a construção de uma política de segurança efetiva e cidadã. A arma é a saída do indíviduo que submete o direito do coletivo, porque irresponsavelmente não se preocupa em assumir a construção do caminho solidário. Por isso, tenho dito, ainda que esse não devesse ser o primeiro passo, o voto SIM representa o melhor passo na direção do caminho mais acertado. Retirar as armas de circulação diminui a mortandade em acidentes e crimes como os que aconteceram no RN na segunda-feira: dois homens de bem, com armas em punho, voltaram-se contra suas companheiras, matando-as e suicidando-se em seguida. Homens de bem também matam e cometem crimes em momentos de destempero. E, além disso, fecha um dos caminhos mais certos para o fornecimento de armas aos bandidos, o que é admito tacitamente pela campanha do Não, quando defende que a proibição do comércio legal fará crescer o tráfico de armas. Ou seja, o que está implicado nesta fala é a admissão que o comércio ilegal de armas no Brasil é alimentado pelo comércio legal. Se o bandido vai ter de procurar armas pelo tráfico internacional é porque hoje ele as têm vindas do comércio legal. E os dados do Ministério da Justiça e de diversas secretárias de segurança do país apenas confirmam isso. No RN, por exemplo, o Delegado de Armas e Munições foi à imprensa no fim de semana informar que cem por cento das armas apreendidas no estado são nacionais - isso mesmo, todas elas - e 90% tinham registro. Quer dizer, entraram em circulação por meio do comércio legal e, desviadas, roubadas ou revendidas, foram usadas posteriormente para cometer crimes. Esse veio da criminalidade precisa ser fechado.
Por outro lado, eu acredito que nem o pessoal do Não realmente entende que um direito esteja sendo perdido com a vitória do SIM. Porque no Brasil questões de direito constitucional não são resolvidas em campanhas de referendo, mas sim com Ações Diretas de Inconstitucionalidade apresentadas no Supremo Tribunal Federal. Se realmente acreditasse nisso, os partidários da campanha do Não já teria entrado com essa ADIN. O que tem como conclusão que isso não passa de retórica de campanha.
Na verdade, não é o direito de todos que está em jogo, mas o privilégio de uns poucos. Mais uma vez, em nossa história, a classe dominante, os dez por cento da população que têm três mil reais para comprar e legalizar uma arma, por meio de subterfúgios diversos, especialmente o medo, tem iludido os pobres para que, acreditando estar defendendo um direito, na verdade votem para a manutenção de um privilégio dos mais ricos em detrimento da segurança e dos direitos dos mais pobres.
A arma de fogo que um rico compra e legaliza - e que quer manter o privilégio de comprar - mais cedo ou mais tarde, como mostram os números e afirmam dos dois lados da campanha, vai parar nas mãos da criminalidade de uma forma ou de outra. E essa arma na mão do bandido termina por matar nossos jovens das classes mais desprivilegiadas. A proposta do Não é pela manutenção de um ciclo de medo, violência, insegurança e, também, pela abstenção da sociedade para o enfrentamento das causas da violência e da mortandade por armas de fogo no país.
20.10.05
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