9.2.04

O texto abaixo será editorial no Jornal União do próximo sábado. Este jornal é um veículo evangélico de Natal que eu ainda tenho a honra de editar.

Crise ética da igreja

Elias era, em uma expressão popular nordestina, um cabra macho. Irredutível a respeito de seu chamado, de sua vocação, representava o Deus de Israel com profunda indignação profética. Os tempos eram difíceis. O que menos se via entre a liderança do povo de Deus eram a ética e o temor do Senhor. Tudo isso começando do próprio rei Acabe e da rainha Jezabel.
Elias, imperturbável, levantava sua voz “em nome do Senhor” para denunciar os pecados do povo e os desmandos dos poderosos. Das lideranças. Uma passagem marcante acontece logo após Jezabel perpetrar o latrocínio contra Nabote para tomar a sua vinha, que ele, honradamente, recusou-se a vender ao rei. Ao encontrar-se com Elias, Acabe pergunta: “Você já me achou, meu inimigo?” (1 Rs. 21. 20). É impressionante que Elias não corrige a fala do rei: ele é mesmo seu inimigo. “Achei, sim, porque você se entregou completamente a fazer o que o Senhor Deus considera errado” (1 Rs. 21. 20). A ética do Deus a quem Elias servia não podia transigir com o rei, apesar da sua posição de autoridade.
A ética do Deus de Israel continua intransigente contra o seu povo, especialmente contra a sua liderança. Mas a ética do povo de Deus está cada vez mais relativa. A cada dia eu escuto, vindo de fontes diversas, de diferentes igrejas e denominações, relatos de pastores e líderes que, no mínimo, não vivem o que pregam e não estão à altura da mensagem da qual são portadores. E ainda se esforçam ao máximo para, mantendo as aparências, esconder, abafar, os chamados escândalos. “Isso não deveria ser tratado em público”, logo dizem.
Será mesmo? Os pecados estão sendo cometidos em público. Os desmandos e as arbitrariedades, também. A leviandade contra a fé do povo é notória. Por que, então, os assuntos não podem ser públicos?
Elias não enfrentava o rei pecador no recato do quarto do palácio, mas sim no meio da praça. Se os pecados do rei eram do conhecimento de todos, Deus os tratava diante de todos. A Igreja precisa ser crítica inclusive nesse ponto e não se deixar seduzir pelo conforto e tranqüilidade dos panos quentes.
Certa vez, estava em um culto de oração em uma igreja de Natal, quando um irmão tomou a palavra para dar testemunho. Ele contava que saíra de casa com dez reais, apenas dez reais, para pagar uma conta, o que faria após deixar a igreja. Sua filha lhe dera o dinheiro, que ele deixou sobre o painel do carro. Chegando próximo à igreja, parou em fila dupla. E um guarda se aproximou para multá-lo. Então, ele dava graças a Deus porque aqueles dez reais estavam sobre o painel do carro. E, dando uma bola ao soldado, ele pôde, por ação de Deus, escapar da multa. E na igreja, nesse momento, se ouviram aleluias e glórias. Que Deus anti-ético é esse? Não é o Deus de Elias. Não é o Deus da Bíblia. Mas é o Deus com quem vivem muitos crentes e que pregam muitos pastores.
Recentemente, políticos evangélicos estiveram envolvidos com o escândalo da falsificação de carteiras de estudante em Natal. Nada ainda, segundo a polícia, foi comprovado, mas o fato em si já deveria nos provocar indignação profética.
O ex-pastor da IURD, Mário Justino, narra no livro Nos bastidores do Reino, muitas histórias que estamos cansados de saber, mas muitos crentes preferem esconder. Diz o ex-pastor, sobre a realidade da Universal: Sexo, dinheiro e drogas se confundem, no mesmo púlpito, com orações e salmos de Davi. E relata inúmeros casos, como os que conhecemos, de exploração da fé ingênua do povo, da ênfase no dinheiro para manter as engrenagens da denominação, da humilhação a que são submetidos os perturbados, endemoninhados ou não. Geralmente entrevistávamos os endemoninhados e, para mostrar ao respeitável público que tínhamos poder sobre eles, fazíamos com que essas pessoas andassem de joelhos ao redor da igreja, ou batessem a cabeça nos nossos pés, ou latissem ou ainda que imitassem galinhas, porcos e outros animais. Isso dependia da imaginação de cada pastor. Depois dos exorcismos, enquanto o povo explodia em aplausos e gritos de júbilo, do alto do púlpito nós agradecíamos os louvores. Mesmo sabendo que aqueles ‘demônios’ nada mais eram do que pessoas em busca de atenção ou sofrendo de seríssimas crises emocionais, nossa atitude era indefectível, diz Justino.
Deprimido, tendo se transferido para São Paulo para evitar um relacionamento homossexual que mantinha desde mais novo com um outro pastor, apesar de ambos serem casados, envolveu-se com drogas. Primeiro Lexotan, depois passou a dirigir cultos sob o efeito da maconha. Apesar disso, cresceu na organização da igreja e foi transferido para os EUA.
Não levou muito tempo para se descobrir portador do vírus HIV. Após tantas desventuras e contravenções, o bispo Macedo culminou tudo com um fecho chocante. Dando, literalmente, uma banana para o ex-colaborador, o abandonou em Nova York, desassistido, sem dinheiro, HIV positivo, sem condições de retornar ao Brasil. Dessa maneira, aprofundou-se ainda mais no submundo em que a IURD o iniciou.
Histórias chocantes que devem nos conduzir à reflexão. E agora? Quantos Elias poderão se levantar nesta nação para que o crescimento do número de evangélicos no país possa redundar em glória, e não em vergonha, para o nome de Jesus?

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