Cá estou.
Não posso dizer exatamente onde, mas estou aqui. Não, não estou querendo esconder onde esteja. Nem digo que não reconheço o lugar. Eu simplesmente não consigo ver onde estou.
Estou aqui, neste lugar, escuro, fétido. O ar rarefeito dói ao penetrar nos pulmões. A escuridão dói uma dor desesperada. Dor de indefinição. Dor de desconhecimento. Dor da escuridão.
Estou aqui. Mas que lugar é esse? Acabei de acordar e está muito difícil de respirar. Também não sinto meus pés, braços, pernas, meu corpo. Também acho que não faria diferença. Aqui não parece haver muito espaço para movimentos.
Como vim parar aqui? O que é esse lugar?
Vamos ver do que consigo me lembrar... lembro-me... lembro-me... eu não consigo lembrar de nada. Quem sou eu? O que aconteceu? Como vim parar aqui?
A dor do desespero piora a sensação de asfixia. O ar parece ainda mais rarefeito...
Desperto sem entender o que me acontece, o que faço aqui, quem sou eu. Vamos, se esforce, reconstrua, relembre, reviva!
Quem sou eu?
Vamos tentar uma brain storm: lembro de uma casinha amarela em uma rua de ladeira. Estou ali com três anos de idade, ou até menos, brincando com um garoto mais velho que eu. Seria meu irmão? Não é meu irmão, mas é alguém querido, alguém próximo, alguém que faz diferença na minha vida.
Há mulheres em torno de mim. Duas ou três. Uma delas deve ser minha mãe... minha mãe em cujos braços repouso, encontro amparo, carinho, amor. Lembro do rosto dela! Lembro agora... rosto sofrido de tantas lutas, de tantas incompreensões, de tantos sofrimentos, da angústia, da tristeza, da infelicidade... lembro da minha mãe!
Lembro dela me levando para o meu primeiro dia na escola. Choro porque não quero que ela vá e me deixe ali com aquelas pessoas. Me soltem! Me soltem! Mordi a mão de uma daquelas senhoras que tentam me segurar em vão. Corro até o portão e a vejo descendo a rua, me abandonando... me abandonando... parece que as minhas mulheres sempre me abandonaram... parece, lembro agora, que aqui estou porque minhas mulheres me abandonam...
Eros desaparece quando Psique o percebe... sempre foi verdade isso em minha vida. A esta altura, lágrimas correm de meu rosto e rostos passam à minha frente. Bonitos, feios, jovens, velhos, infantis, felizes, tristes, sofridos, apaziguadores, amantes, que gozam, que gritam, que desesperam... rostos que me dizem quem sou...
Descobrir quem sou não significa saber meu nome. O ser alguém não se relaciona com meu nome. Se relaciona com minha essência. Quem sou é uma pergunta antiga e recorrente. Respondê-la é de mais profundidade do que lembrar o que fiz, o que faço, qual o meu nome, qual o meu tempo, que lugar é esse, quem amei. Ser alguém não se resume a estas coisas que vão e passam. Estou aqui, nem sei onde, e percebo essas coisas, mesmo não sabendo mais meu nome.
(continua)
5.2.04
Espaço para minhas reflexões e loucuras, existenciais, acadêmicas, teologicas e emocionais
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