Monólogo abandonado
(Lúcia Irene Reali Lemos)
- Moço:
sou andarilho destes cantos da cidade.
Sou menino, sou menina, sou sem nome;
de nariz escorrendo e cabelo raspado.
Minhas fantasias de menino “seo” moço,
estão perdidas nas janelas, nas vitrines,
no luxo desta sociedade impiedosa.
Canto, choro, brigo, viro-latas, lavo carros,
durmo nos bancos destas praças espalhadas.
Sonho acordar num berço amigo
e das calçadas em que amanheço sou o dono.
Eu pergunto: - “ seo ” moço, onde estão os
malditos indiferentes
à esta minha miserável vida?
Procurei nas escolas - não pude entrar, descalço que estava.
Procurei nas igrejas - não fui aceito. Incrédulo me tornei.
Procurei, nos parques de diversões,
nos circos das pipocas e dos palhaços
o meu sorriso de criança que nunca tive.
E o que encontrei, moço?
No espelho, vi meu rosto magro, pálido, estampado
e o estômago ditando ordens implacáveis
que se tornavam ainda mais cruéis
porque não eram atendidas.
Ai, moço!
Que gosto amargo tenho desta vida
que já me fez
matar, roubar, cheirar cola, passar fome, sentir frio,
anoitecer e amanhecer solitário...
MOÇO:
NÃO TENHO ARGUMENTOS CONTRA A FOME
E O DESEMPREGO de meus pais
HOJE SOU MENOR ABANDONADO, DELINQUENTE.
AMANHÃ, TENHO CERTEZA,
SEREI O PESADELO DESTA SOCIEDADE
19.11.03
Espaço para minhas reflexões e loucuras, existenciais, acadêmicas, teologicas e emocionais
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