13.9.03

Ai vai um trecho de meu trabalho:

O protestantismo brasileiro nas décadas de 1950 e 1960

Antes da eclosão do Regime Militar, em 1964, era marcante a tendência à ação política transformadora no meio evangélico brasileiro. Ainda que não fossem a maioria, era possível, por exemplo, se encontrar em 1962 líderes protestantes discutindo em Recife o tema “Cristo e o processo revolucionário brasileiro”, naquela que ficou conhecida como Conferência do Nordeste (QUEIROZ 2000: 77). Mas a Ditadura, que foi transferida para dentro das fronteiras eclesiásticas, naturalmente abafou tal tendência (QUEIROZ 1998: 96, 120).
Segundo Burity (1989), o alinhamento das instituições religiosas em uma direção conservadora teve início antes mesmo do golpe. Essa direção conservadora e ditatorial (“verticalista”, nas palavras de Queiroz (1998: 120)) gerou mecanismos de inquisição interna, uma verdadeira “inquisição sem fogueiras” (BURITY 1989: 114).
Nesse quadro de conflito entre conservadores e progressistas no ambiente eclesiástico, a situação do país favoreceu os primeiros. Dessa maneira, diante da acentuação da crise social no início dos anos 60, aproximam-se, nas igrejas, setores conservadores não-radicais e a direita, rearranjando os “espaços internos de poder de forma a sufocar a onda desestabilizadora dos ‘teólogos sociais’” (Id.: 116).
Assim, a instrumentalização discursiva da teologia é facilitada. A produção teológica que se preocupa com transformações sociais é identificada, nesse discurso dominante, como um instrumento nas mãos dos comunistas para desviar a igreja de sua tarefa essencialmente espiritual e não-histórica. Dessa maneira, esses teólogos, “perigosos subversivos”, tinham de ser silenciados, sendo assim, denominados de hereges (BURITY 1989: 115-6) . Nesse contexto, muitos membros das igrejas foram presos, cassados e mortos, devido à delação por parte de irmãos e autoridades eclesiásticas (QUEIROZ 2000:76).
O silenciamento atingiu os “credos sociais” que várias denominações protestantes brasileiras prepararam nos anos 60. Esses documentos confessionais afirmavam a necessidade de os evangélicos se envolverem na lutas por transformações sociais no país. Os credos metodista (de 1960), batista (de 1963) e presbiteriano (de 1966) foram esquecidos. Para o pastor Carlos Queiroz, líder da Igreja de Cristo no Ceará, é “sintomático que este ‘cale-se’ no mundo protestante, tenha acontecido logo após a ‘Revolução de 64’”(2000: 77).
Ele continua, afirmando que a partir de então “o mais que fizemos em termos sociais, foi continuar os projetos de assistência já existentes, que depois entraram em decadência, e promover o governo americano que fez das denominações o inocente útil para a distribuição dos famosos alimentos da ‘Aliança para o Progresso’.
O povo brasileiro foi silenciado e nós evangélicos, de protestantes, passamos a ‘afavorantes’”. (Id.: 77-8)

Nessa direção, Cavalcanti diz que durante o Período Militar, absortos pelo desenvolvimento econômico, segurança e liberdade religiosa, os evangélicos se tornam sustentáculos civis do Regime. E com a militância progressista do catolicismo romano tendo se posicionado em oposição crítica da Ditadura, o Regime investe ao máximo nos protestantes, com “visitas de cortesia, empregos, convênios, nomeações para cargos importantes, convites para pastores cursar a ESG” (CAVALCANTI 1985: 215).
Enquanto isso, o Regime, fora e dentro das igrejas, foi calando e cassando os opositores. De modo que entidades com a Confederação Evangélica Brasileira e a União Cristã de Estudante do Brasil foram extintas. Seminários e diretorias eclesiásticas foram expurgando indivíduos acusados de “esquerdismo”, “ecumenismo”, “modernismo” ou “tendências renovadoras” (Id.: 203).

Referências bibliográficas:

BURITY, Joanildo Albuquerque. Fé na Revolução: protestantismo e o discurso nacionalista e revolucionário (1961-1964). Dissertação de Mestrado. Recife: UFPE, 1989 (mimeo).

CAVALCANTI, Robinson. Cristianismo e política: teoria bíblica e prática histórica. São Paulo: Nascente, 1985.

QUEIROZ, Carlos Pinheiro. Eles herdarão a terra... Curitiba: Encontro, 1998.

______. “Igrejas protestantes no contexto nordestino” in VVAA. Ação Diaconal: uma reflexão no contexto nordestino. Série Ler para Servir, Ano II, n° 2. Recife: PAADI, dez. 2000.

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