Minha irmã escreveu esse texto no Natal. Não sei se ela me autorizaria a publicá-lo, mas não resisti à sua beleza.
O NATAL QUE EU NÃO TIVE...
Meu pai, meu velho inesquecível...
o Natal de 2003 chegou, e eu, tua primeira filha te queria aqui, bem perto de mim...
Relembro aquele em que você se vestiu de papai-noel e subiu pela janela da nossa casa lá ...na cidade de Natal, no Rio Grande do Norte...Dezembro de 1968, era uma casa grande, bem pertinho do mar, com sacadas e uma rede macia, onde depois da ceia eu dormia em teu colo...parece que estou vendo aquela corda, e minha mãe falando baixinho, prá gente não ouvir: “_ Rubens, cuidado prá não cair! E eu me perguntava:
Será que o painho está agüentando segurar o Papai-Noel nas costas? Papai Noel é tão gordo...ai,ai,ai vou fechar os olhos prá não ver...não quero que machuquem meu painho, muito menos papai-noel!!!
Ah, meu pai...35 anos se passaram, eu era tão menina, eu não entendia nada da vida... Como pode um comunista, se vestir de papai-noel ( símbolo do capitalismo e do consumismo – que engana as crianças, sim , por que eu sempre acreditei que o papai-noel me traria o presente que sempre desejei, bastaria eu pedir...ah! doce ilusão, mal sabia eu, quantos pais morreram tentando dar um presente para seus filhos...)
Mas, o meu querido pai, era um poeta revolucionário e para ele a roupa vermelha, lembrava revolução, o sonho de fazer um dia um mundo feliz, e o que é isso, senão fazer uma criança feliz? Qual criança não se alegra ao ver o papai-noel?
Hoje eu entendo, você meu pai, também acreditava na esperança – o sonho de um mundo melhor...
eu só não acreditava meu pai, que homens pudessem tirar o Natal de uma criança...
Tiraram você de mim, mal sabia que aquele seria o nosso último Natal juntos...
Ah, paizinho, porque você não me falou que existiriam coisas tristes, muito tristes que eu teria que enfrentar...
Em abril de 1969, você nos colocou em um avião e nos mandou para o Paraná, para a casa da Vó Guilhermina e do Vô Ângelo,não nos disse nada, apenas disse que iríamos passear de férias...
Você foi embora “fugindo” dos doutores da lei...foi pego, e sofreu torturas! Nunca mais voltou para nos buscar, nunca mais...
Quantas feridas...elas ainda ecoam...
Quantos natais passei sem você...te buscando em cada bolinha colorida da árvore enfeitada...em cada estrela brilhante dos enfeites nas varandas simples ou luxuosas...
É meu pai, cresci sem você por perto, não me recordo de mais nenhum natal juntos...
Você voltou para o Brasil, e sei, jamais comemorou..”os doutores da lei” te fizeram triste... faltava sempre alguém junto à tua mesa, que ora era farta, ora era simples...eu sei, a tua busca foi grande. Fizestes outra família, mas jamais conseguiu reunir todos os teus filhos ao redor de uma mesa para ceiarem junto com você, a tua alegria NUNCA foi por inteira... “os teus inteiros” não se faziam presente!
Adulta, me tornei mãe, foram poucos, bem poucos os Natais de minha vida;
( entre eles o NASCIMENTO DE MEUS 3 FILHOS A ALEGRIA DE CADA UM DELES CHEGANDO...estes são os meus natais.)
Sempre, todos os natais, mesmo depois das longas caminhadas e distâncias tuas, jamais encontraste o caminho do teu primeiro lar. Que hoje se multiplica em teus netos...
Minha mãe sempre tão sozinha, tentava fazer o nosso Natal menos triste e solitário do que já era. Foram anos amargos, lembranças nem tanto mansas...imagine para ela que nunca te esqueceu e sempre ficou a te esperar, também...VOCÊ NUNCA SOUBE DIZER ADEUS, simplesmente foi embora... ah! tempos cruéis, roubou-nos a alegria...
O tempo andou, como sempre, não pára...
crescemos, meus irmãos e eu, sabemos, mas não confessamos nunca um para o outro:
FALTA ALGO, FALTA A MAGIA, FALTA ALEGRIA, FALTA AQUELE NATAL DE 1968, FALTA UMA FAMÍLIA COMPLETA, REUNIDA...
Sabe meu pai, hoje não mais encontro você fisicamente... Faz 4 anos que você partiu e desta vez, eu sei: não terei a alegria da tua volta...já não terei que ficar horas e horas sentada no portão esperando que talvez, no próximo Natal você pudesse aparecer de braços abertos, pedindo “- vem cá , dá-me um cheiro, um abraço apertado de saudades...”
Ah, meu pai...por quê a vida é tão breve quando a queremos longa e por quê é tão longo o sofrimento quando o queremos breve?
Que tempo é esse, ladrão, que roubou você de mim...afinal, tinhas apenas 57 anos, estavas há 20 anos na minha frente...tantas histórias prá contar, tantos natais prá resgatar...tantos caminhos ...
Estejas onde estiver, meu velho pai. Longe ou perto.
O infinito é logo ali... e com certeza haverá um dia o nosso reencontro...
Antes porém, eu te peço:
Cuida de mim,
cuida de meus irmãos,
cuida de meus filhos,
cuida de meus sobrinhos,
cuida de teus netos...
enfim, zele por teu sangue...
Ajude-me a fazer que o Natal de 2003
seja melhor que o Ano de 1969.
Ajude-me a encontrar a alegria prá comemorar...e continuar lutando para que NUNCA MAIS nenhuma criança tenha seu pai tirado em uma noite de Natal!!!
Eternamente, tua filha
Lucinha.
Porto Alegre, 24 de dezembro de 2003
27.12.03
Espaço para minhas reflexões e loucuras, existenciais, acadêmicas, teologicas e emocionais
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