O texto a seguir já foi postado anteriormente. Porém, eu o reescrevi a fim de publicá-lo na coluna teológica do Jornal em que trabalho no próximo sábado
É ampla, especialmente em ambiente protestante, a crença na incompatibilidade entre marxismo e cristianismo. Ainda que possamos ser acusados de anacronismo, já que o mundo comunista desabou com o Muro de Berlim no fim dos anos 80, entendemos ser interessante a discussão, desde que o fundamento utópico e analítico de Marx parece-nos ganhar em importância cada dia.
A afirmação de tal incompatibilidade se firma basicamente na questão ateísta do marxismo, a partir de sua crítica religiosa. No entanto, os mesmos que costumam se fechar, por isso, a qualquer diálogo cristão-marxista, não são tão radicais em relação a outros tipos possíveis de diálogo, como os que permeiam os acordos políticos entre igrejas e partidos. A questão é mais profunda e ideológica.
Efetivamente, o horizonte utópico do marxismo e cristianismo tem muito mais em comum que o fundamentalismo religioso nos permite perceber. Isto possibilitaria ricos diálogos, cada parte respeitando a outra.
Segundo Michael Löwy, o comunismo para Marx e Engels seria uma sociedade sem classes, igualitária, harmoniosa, na qual homem e mulher seriam iguais. E nos parece ser esse o ensino bíblico sobre o Reino de Deus.
Transparece, forçosamente, na leitura da Bíblia, o comprometimento de Deus com a causa do pobre e do explorado. Daí, Ronald Sider questionar: Deus, um marxista? ou se está Deus engajado em uma luta de classes?.
A essas questões parece responder Richard Shaull:
O Deus que derruba velhas estruturas, a fim de criar condições para uma existência mais humana, está, ele mesmo, no meio da luta.
O mesmo Shaull, em outro ponto, testemunha que em certo momento de seu ministério no Brasil descobriu essas possibilidades de diálogo:
Uma vez esclarecido que uma sociedade mais humana e mais justa exigia mudanças de sistema; uma vez compreendida a dimensão da mudança e a luta para atingi-la, descobrimos também que os marxistas eram, em geral, os que mais partilhavam dessa visão, tinham as mesmas preocupações com os pobres e a mesma ansiedade de justiça que nós, cristãos, tínhamos.
A partir daí, foi capaz de defender aliança histórica ao marxismo em determinado momento, sem nos tornamos marxistas.
Tomando o sentido de utopia como sendo uma visão de mundo crítica quanto à ordem estabelecida, percebemos similaridades utópicas entre cristianismo e marxismo.
Assim, é possível antever o contexto e as motivações que desenvolvem a teologia dos galardões, muito (mas muito mesmo) comum em ambientes evangélicos.
Essa teologia afirma que no Reino consumado as pessoas estarão mais perto de Jesus na medida de suas obras na terra em prol da vontade de Deus. Essa retribuição também é entendida como jóias (bênçãos) que os crentes vão receber em sua coroa na glória.
De qualquer maneira, tal concepção torna inexistente uma possível sociedade sem classes. Mesmo no céu, a sociedade de classes do nosso mundo será reproduzida, havendo uma elite espiritual (rica de jóias em suas coroas) e um proletariado, que por muito pouco escapou da perdição (pelo fogo).
E como em geral os adeptos dessa teologia entendem as boas ações que merecem galardão na medida do dinheiro que o crente investe “na obra”, essa elite continua sendo a mesma elite capitalista, mundana, que controla as igrejas hoje.
Não é de se estranhar que essa ideológica concepção teológica tivesse nascido nos EUA e tenha ganhado força, ocupando o espaço de diversos movimentos críticos, utópicos, libertacionistas, sempre entendidos como heréticos.
No entanto, inúmeros exemplos em Jesus demonstrariam que o Reino dos Céus constitui-se de uma sociedade sem classes. Mas gostaríamos de citar uma parábola que encerra, com clareza, a questão dos galardões. Aliás, ela foi dita por Jesus justamente para responder a essa questão.
O texto é Mateus 20. Lá Jesus conta a parábola sobre um dono de terras que sai diversas vezes em um dia para contratar trabalhadores, combinando com eles o salário de um denário.
Na hora do pagamento, aqueles que trabalharam apenas uma hora recebem primeiro. Em seguida, quando os que passaram o dia todo trabalhando vão receber, chateiam-se por terem recebido a mesma quantia (esperavam receber mais, pois fizeram mais).
Mas o empregador lhes lembra o salário combinado e que ele não pode ser chamado de injusto por querer pagar a todos a mesma quantia.
A parábola responde à questão dos galardões. Deus prometeu uma só coisa a todos os que crerem: salvação gratuita pela fé em Jesus. Não há plano de escalonamento, nem percentual de produtividade no céu. Todos receberão unicamente o que foi acertado.
Isso significa que, graças a Deus, o Reino de Deus continua sendo uma sociedade sem classes, igualitária, pela qual podemos começar a lutar aqui e agora. Ainda que isso signifique Revolução.
24.3.03
Espaço para minhas reflexões e loucuras, existenciais, acadêmicas, teologicas e emocionais
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